Traumas e quedas: o futuro é a Ortopedia Geriátrica
Por Joana Marques , 13 de Janeiro de 2020 Idosos
Na equação entre envelhecimento e qualidade de vida, é essencial que cuidadores, profissionais de saúde e o setor dos lares e das residências para seniores entendam que a ortopedia geriátrica é uma intervenção cirúrgica e/ou de reabilitação que não tem limite de idade e que pode contribuir para a autonomia e saúde física e psicológica dos idosos.
O processo de envelhecimento é uma inevitabilidade. Os dados mais recentes revelam que cerca de 21% da população portuguesa é considerada idosa (tem 65 ou mais anos) e a esperança média de vida aumentou consideravelmente: 83 anos para as mulheres e 78 anos para os homens. O envelhecimento populacional é também uma consequência dos avanços que se têm registado na área da ortopedia geriátrica. Neste artigo, fique a conhecer de que forma esta especialidade médica pode contribuir para um aumento do bem-estar e felicidade dos idosos!
Envelhecer não é uma sentença de morte
A idade não é uma doença. Cada vez mais, os idosos querem manter-se independentes, seja em contexto domiciliário ou institucional, e envelhecer com qualidade e de forma ativa. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu que um dos pilares do envelhecimento ativo é a saúde, sem a qual os mais velhos não se conseguem auto-realizar.
As pessoas com mais idade ainda têm um grande contributo a dar à sociedade e, em especial, às famílias, que só têm a beneficiar dos “avós” sábios e experientes com tempo de sobra para ajudar nas tarefas do dia-a-dia e na educação dos netos. Quando tal não é possível, é muito importante que se criem condições para que o envelhecimento não dê origem a casos de depressão, isolamento e falta de autoestima.
Velhos são os trapos, mas…
Envelhecer não tem que ser uma inevitabilidade dolorosa e deprimente. No entanto, durante o processo de envelhecimento biológico há uma degradação progressiva de todos os sistemas do corpo humano, em particular do aparelho locomotor, que inclui as estruturas ósseas, os músculos, as articulações e os tendões.
Com a idade, a marcha torna-se mais instável devido a alterações no equilíbrio, nos reflexos e na coordenação.
Com o avanço da idade, vão também surgindo fatores de risco que aumentam a probabilidade de ocorrência de traumas ortopédicos. As lesões musculoesqueléticas resultam muitas vezes de problemas de osteoporose, mas também de quedas, que podem levar a fraturas, contusões musculares, luxações e entorses.
As quedas podem ser causadas pelo progressivo défice visual, auditivo e cognitivo, pela utilização de medicamentos que alteram o estado mental e por doenças degenerativas, que provocam fraqueza articular e muscular e demência.
Para um idoso, uma queda pode significar um traumatismo em diversas partes do corpo: cabeça, ombros, punhos, quadris, joelhos ou tornozelos. A fratura mais comum e perigosa de todas é a do colo do fémur, que se não for tratada atempadamente pode levar ao acamamento e consequente morte do paciente.
Prevenir é mesmo o melhor remédio
Seja em contexto doméstico ou num lar de idosos, é crucial que o idoso esteja em segurança e num ambiente adaptado às suas necessidades, que o proteja de acidentes, quedas e fraturas. Aqui ficam alguns conselhos:
- O calçado deve ser fechado e ter solas de borracha;
- O piso nunca deve estar húmido ou recém encerado;
- A prática de exercício físico deve ser acompanhada por especialistas habituados a lidar com pessoas mais velhas;
- Incentivar a utilização de bengalas, muletas ou outros instrumentos de apoio à marcha;
- Equipe convenientemente a casa do idoso.
A Ortopedia Geriátrica em Portugal
Mesmo que se implementem todas as medidas preventivas, não há uma forma de garantir que um idoso nunca sofra de um problema ortopédico, que pode implicar uma intervenção cirúrgica e/ou reabilitativa. É por esta razão que a ortopedia geriátrica é tão importante no prolongamento da qualidade de vida dos mais velhos.
O médico Carlos Evangelista foi pioneiro nesta especialidade e tem sido um dos seus principais dinamizadores, tanto como responsável de unidades de ortopedia geriátrica (Hospital de Sant’Ana e CUF Cascais), como organizador de congressos a nível mundial, nos quais se discutem os avanços, o impacto e o futuro desta área de intervenção.
Nunca é tarde para operar e reabilitar
Para profissionais com a mentalidade de Carlos Evangelista, não existe um prazo de validade para a qualidade de vida. No vocabulário da ortopedia geriátrica não existe a palavra “impossível”. Cada vez mais se vive até idades centenárias e nenhum idoso deve ser considerado um caso perdido. Nesta especialidade, os valores a preservar são os da vida, saúde, autonomia e qualidade, e isto configura uma evolução na mentalidade dominante de que a partir de determinada idade a intervenção simplesmente já não vale a pena.
Atualmente, as inovações tecnológicas permitem a utilização de materiais inovadores que possibilitam a cimentação de ossos fragilizados pela osteoporose e próteses feitas à medida, que diminuem os riscos cirúrgicos, mesmo que a idade do paciente seja muito avançada.
Na traumatologia ou na ortopedia geriátrica, o foco tem que ser a rápida recuperação do paciente, para que o idoso seja reintegrado no seu meio ambiente o mais depressa possível.
Quanto mais rápida e eficaz for a intervenção, maior será a capacidade de recuperação. No entanto, em contexto cirúrgico ou de reabilitação, deve haver uma abordagem multidisciplinar, pois um dos principais desafios é garantir a estabilidade emocional e psicológica do paciente. A aposta é na conjugação de uma equipa médica especializada, cuidados de enfermagem adequados e apoio psicológico.
O apoio nutricional também é crucial, pois o fornecimento de energia através da alimentação é um dos alicerces da recuperação. A suplementação também pode ser uma ferramenta a considerar, pois pode desacelerar a diminuição progressiva da força e da massa muscular através do reforço da vitamina C e do colagénio.
Otimismo e pensamento positivo
Existe a tese de que operar um idoso com idade muito avançada pode representar um risco ainda maior do que o benefício retirado da cirurgia. Ainda assim, as complicações que decorrem de uma fratura não tratada conduzem a um modo de vida muito limitado e frágil, devido à imobilidade a que o idoso fica submetido. Atrofia muscular, tromboses, problemas cardio-respiratórios, distúrbios urinários, úlceras causadas pela pressão local, depressão e mesmo demência são algumas das consequências de não operar por se considerar que já não vale a pena.
Mesmo quando a operação é um risco sério para a sobrevivência, família, cuidadores e profissionais de saúde devem estimular a ideia de que o idoso está perante um processo de recuperação da sua autonomia e autoconfiança.
Existem somente duas unidades de ortopedia geriátrica a funcionar com esta filosofia de optimismo, mas a criação de mais destas unidades multidisciplinares poderá contribuir para a rápida recuperação dos idosos, em lugares que, como defende o Dr. Carlos Evangelista, sejam positivos, bonitos e enérgicos, nos quais os idosos se sintam em casa enquanto se restabelecem dos seus traumas ortopédicos.