Segurança Social e o dilema dos lares de idosos ilegais: Como decidem os tribunais?
Por Sónia Domingues , 28 de Agosto de 2023 Notícias
Em Portugal, estima-se que existam há volta de mil lares de idosos que estão em situação irregular, ou seja, que não têm as licenças necessárias para o seu devido funcionamento. Recentemente, a Segurança Social anunciou que encerrou 874 lares ilegais nos últimos oito anos, no entanto, o número de estruturas ilegais que se mantêm em funcionamento continua a rondar as mil.
O que é considerado um lar ilegal e como se processa o encerramento de um lar ilegal pela Segurança Social? Quais os motivos que levam à Segurança Social a fechar lares de idosos ilegais? Neste artigo, vamos conhecer as circunstâncias em que se dá o encerramento de estruturas ilegais e casos reais que chegaram à barra dos tribunais portugueses.
O que é considerado um lar de idosos ilegal?
Um lar de idosos ilegal é uma estrutura residencial que acolhe quatro ou mais idosos, que funciona sem o devido licenciamento. Segundo o decreto-Lei n.º 133-A/97, para a Segurança Social conferir o alvará de licenciamento a uma estrutura de idosos, esta deverá ter instalações e equipamentos adequados ao funcionamento de um lar de idosos, segundo o que está regulamentado. O proprietário e quadro de pessoal devem ser “idóneos” e deverá ter o número de pessoal técnico e auxiliar ajustado ao número de residentes, segundo o que está estabelecido na lei. Também terá de ter a situação contributiva regularizada junto da Segurança Social.
Quais são os impeditivos para obter licenciamento?
Existe uma série de imposições legais que limitam o licenciamento de novas estruturas, nomeadamente, os critérios físicos e estruturais da residência, que estão vertidos na lei. Desde logo, se não forem cumpridos todos os requisitos, a Segurança Social não irá passar o alvará ao lar, sem antes este cumprir com o regulamentado. As pessoas responsáveis pelas estruturas também não podem ter sido interditadas do exercício de atividades em lares de apoio a crianças ou idosos, e também não podem ter sido condenadas em tribunal por algum crime em que tenha sido decretada a interdição de profissão relacionada com a atividade dos estabelecimentos. A idoneidade das pessoas estende-se à pessoa coletiva e também aos próprios trabalhadores que estejam ao serviço do lar de idosos.
Como a Segurança Social sabe que há lares clandestinos?
Geralmente a sinalização é feita por denúncia, através da GNR ou dos bombeiros, que sinalizam lares ilegais, ou então quando os lares solicitam uma licença de funcionamento depois de já terem iniciado a atividade, mas ainda não a obtiveram, por incumprimento de algumas particularidades da legislação. Quando os responsáveis pelos lares de idosos ilegais sabem que não cumprem os requisitos específicos na lei, muitas vezes nem sequer tentam pedir o alvará. Geralmente as exigências prendem-se por um elevado valor de investimento, difícil de comportar, principalmente em lares de menor dimensão. A Lares Online, através da avaliarlares.pt, também contribui para sinalizar casos de equipamentos que se encontram em situação irregular e que são denunciados através da plataforma criada pela Lares Online.
A Segurança Social encerra todos os lares ilegais de que tem conhecimento?
Apesar da Segurança Social ter identificado mais de mil lares ilegais, a esmagadora maioria continua em funcionamento. Apesar de formalmente ilegais, muitos dos lares que funcionam sem as devidas licenças de que o Estado tem conhecimento, são inspecionados e continuam a funcionar. Se necessário, são feitas algumas recomendações. A Segurança Social apenas encerra aqueles em que deteta ações que configuram crime. Caso a fiscalização detecte situações que colocam em causa a segurança dos idosos, é decretado o encerramento imediato e definitivo. No entanto, quando não existe risco de vida, a Segurança Social decreta o encerramento administrativo do lar, que dá um prazo de trinta dias para o fecho.
A Segurança Social apenas fecha de imediato os lares ilegais que representem um risco para os idosos
O que acontece aos idosos quando a Segurança Social encerra o lar ilegal?
Quando a Segurança Social encerra definitivamente um lar de idosos ilegal, em primeiro lugar contacta as famílias para averiguar se tem condições de albergar o idoso. Se não houver essa possibilidade, então procura vagas num lar de idosos que tenham acordo com a Segurança Social. Quando não estão disponíveis, ficam num lar privado, que não tem vagas sociais, numa decisão tomada em conjunto com a família.
Os lares de idosos ilegais podem contestar a decisão da Segurança Social?
Quando a Segurança Social determina o fecho administrativo do lar ilegal, o proprietário pode contestar a decisão em tribunal, sobre a decisão em si ou sobre a severidade da sentença aplicada. De referir que quando se acolhe quatro ou mais idosos já é considerado um lar de idosos, e requer licenças de funcionamento.
O que dizem os tribunais portugueses quando o lar ilegal contesta?
Os tribunais portugueses recebem casos de lares de idosos ilegais, que contestam as sanções impostas pela Segurança Social, que habitualmente se traduzem em coimas, encerramento de portas, e, em casos mais graves e reincidentes, em proibição de prestar atividade social num espaço de tempo que o tribunal define. Mas, quando os visados contestam a decisão em tribunal, o que determinam os juízes?
Proprietária apelou porque apenas três idosos pagavam mensalidade
A proprietária impugnou judicialmente a decisão, alegando que ficou provado que só duas das quatro utentes pagavam contrapartida financeira por tal atividade, e, como tal, a atividade não era prestada com finalidade lucrativa.
Ora, o Tribunal da Relação chegou à conclusão que de facto, alojando quatro idosos, a proprietária tinha um lar de idosos, conforme diz a lei. Mas, tendo ficado provado que apenas dois idosos pagavam mensalidade, o tribunal da Relação reduziu a coima em 10.000€. No entanto, manteve a ordem de encerramento que a Segurança Social tinha estabelecido.
Proprietário apelou contra o fecho, porque tinha o pedido de licenciamento a decorrer
Este caso é o de uma associação sem fins lucrativos, cuja missão é a protecção dos cidadãos na velhice e invalidez. No exterior do edifício, existia indicação de que se tratava de um Acolhimento Permanente, Acolhimento Diurno, Acolhimento Familiar e Vigilância 24 horas por dia. Numa primeira fiscalização ao estabelecimento, os inspetores da Segurança Social verificaram que o espaço acolhia 11 idosos e que tinha as salas e equipamentos necessários para o serviço adequado aos idosos.
Mas, apesar de ter todas as condições, não tinha entrado nenhum pedido de licenciamento do estabelecimento, nem dispunha de licença ou autorização camarária ou autorização provisória de funcionamento do estabelecimento de apoio social a idosos que explorava.
Os inspetores voltaram passado um ano da primeira fiscalização e verificaram que o número de idosos acolhidos tinha subido para 16, mas que o lar se mantinha a funcionar sem licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.
Apesar de já haver um projeto de adaptação das instalações para poderem funcionar como ERPI, com parecer favorável da própria Segurança Social, assim como um pedido de licença à câmara municipal, a Segurança Social aplicou-lhe uma coima de no valor de 10.000€ e a sanção acessória de encerramento do estabelecimento de apoio social a idosos. A associação recorreu ao tribunal, que numa primeira instância, decidiu reduzir o montante da coima para 3.500€, mas manteve a pena acessória do encerramento do lar de idosos ilegal.
Levado a Tribunal da Relação, a associação apenas queria ver revogada a sanção acessória do fecho, uma vez que o licenciamento estava iminente. No entanto, os juízes consideraram que a associação efetivamente explorava um lar de idosos sem possuir o necessário alvará ou autorização provisória de funcionamento, persistindo na conduta desde a primeira visita da inspeção, mantendo a sanção acessória de encerramento.
Proprietária alegou que acolhia idosos por compaixão e não se tratava de um lar de idosos
Num outro caso que foi parar ao Tribunal da Relação, constatou-se que numa moradia estavam alojados dez idosos e a Segurança social mandou encerrar o estabelecimento que considerou ser um lar de idosos ilegal.
Na realidade, uma inspeção anterior já tinha detetado quatro idosos a morar naquela residência. Passados três anos, na nova fiscalização, foram encontrados dez idosos a morar naquele mesmo espaço.
A Segurança Social mandou encerrar o estabelecimento e realojar os idosos, tendo condenado a proprietária a 30.000 € de multa e ainda à interdição temporária do exercício de actividades de apoio social em estabelecimentos de apoio social pelo período de três anos, uma vez que já era reincidente.
Ora, a proprietária contestou a decisão junto do Tribunal da Relação, referindo que apenas estava a acolher idosos necessitados e que estavam isolados da comunidade. Referiu ainda que acolhia os idosos por razões filantrópicas e convicções de índole religiosa, sendo conhecida na comunidade como “a mãe dos pobres” e acolhia e pessoas idosas, com parcos recursos económicos sem qualquer interesse lucrativo.
No entanto, o Tribunal da Relação referiu que desde a primeira inspecção que foi realizada pela Segurança Social, a proprietária sabia que não era permitido acolher idosos naquelas condições, mas persistiu, sabendo que não o podia fazer. Quanto à parte do voluntariado, o Tribunal também não considerou, uma vez que uma testemunha idosa, que residia na moradia, disse que dava a reforma toda à proprietária, rejeitando o seu recurso e confirmando a sentença inicial.
Proprietária disse que apenas tinha três hóspedes e um parente idoso em casa
Neste caso em concreto, a Segurança Social fiscalizou uma moradia, onde habitavam quatro idosos, a quem prestava apoio social, o que, segundo os inspetores, era considerada uma estrutura de apoio a idosos, carecendo das devidas licenças, pelo qual aplicaram uma coima de 3000 €.
A proprietária apelou para o Tribunal da Relação, referindo que tinha apenas três hóspedes em casa, e o quarto idoso era o sogro da filha, que também morava na mesma casa, alegando que não se tratava de uma estrutura de apoio a idosos e não necessitava de licenças.
No entanto, o Tribunal da Relação confirmou a sentença, afirmando que mesmo que apenas fossem três os idosos a pagar os serviços, deveria ser considerado um lar de idosos, de modo a ser sujeito a fiscalização para verificar se as condições oferecidas aos idosos eram adequadas à prestação de apoio social.
O que se pode concluir da ação da Segurança Social perante os lares ilegais?
A ação da Segurança Social com relação aos lares de idosos ilegais poderá ser vista como uma abordagem diligente e esforçada, mas sensível aos entraves e falta de alternativas que as famílias enfrentam quando procuram um lar de idosos.
Sem apoio especializado, muitas vezes as famílias acreditam que não conseguem encontrar uma solução segura e adequada para alojar o seu ente querido e recorrem muitas vezes a lares de idosos que se encontram em situação irregular, o que representa um risco iminente para o idoso, sem se aperceberem da gravidade. A Segurança Social procura fiscalizar os lares ilegais de que tem conhecimento e age conforme as condições que o lar providencia aos idosos.
Se não representa perigo para os residentes, a Segurança Social determina o pagamento de uma coima. Se for um proprietário reincidente, que não providencia as acomodações adequadas, poderá determinar o fecho do estabelecimento e até proibir o infrator de trabalhar no apoio social durante um determinado período de tempo. Pode-se dizer que é uma abordagem conservadora, mas atenta à qualidade de vida dos idosos.
O que se pode concluir da ação dos tribunais portugueses sobre os lares ilegais?
Perante a análise dos casos aqui apresentados, pode-se verificar que geralmente os tribunais portugueses conseguem discernir os factos reais dos fictícios que muitas vezes são apontados pelos proprietários de lares ilegais. Os pretextos apresentados por quem gere um lar em situação ilegal são habitualmente desconsiderados e a razão fica do lado da Segurança Social.
Mais do que o proprietário que é sentenciado a duras coimas ou vê o seu lar encerrado, os mais prejudicados são os idosos e as suas famílias que se vêem a braços com uma situação complicada de gerir. A Segurança Social procura fiscalizar os lares ilegais de que tem conhecimento e age conforme as condições que o lar providencia aos idosos. Se não representa perigo para os residentes, a Segurança Social determina o pagamento de uma coima.
Se for um proprietário reincidente, que não providencia as acomodações adequadas, poderá determinar o fecho do estabelecimento e até proibir o infrator de trabalhar no apoio social durante um determinado período de tempo. Pode-se dizer que é uma abordagem conservadora, mas atenta à qualidade de vida dos idosos.
Onde poderei ver quais são os lares de idosos com alvará?
Na realidade, não existe nenhuma plataforma que tenha acesso a toda a informação atualizada em tempo útil, na medida em que existem alvarás que caducam e não são renovados, ou existem ordens de encerramento que os portais não têm acesso em tempo útil.
Mas, no portal Carta Social poderá consultar a lista oficial dos lares existentes. Esta plataforma é da responsabilidade do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), mas por vezes está desatualizada, não referindo na hora os lares que podem ter tido ordem de encerramento por alguma razão.
Contudo, poderá contactar diretamente o GEP ou então aceder à plataforma Lares Online, onde cruzamos várias fontes oficiais de informações para termos informações mais atualizadas, provenientes algumas dos próprios lares.
Também poderá contactar diretamente a Segurança Social do seu distrito e procurar saber se o lar de idosos em causa está devidamente legalizado.