Os efeitos da música na pessoa com demência
Por Leonor Atalaia , 25 de Novembro de 2019 Demência
As pessoas com demência experienciam uma série de sintomas debilitantes que têm um grande impacto na sua capacidade de realizar autonomamente atividades no dia-a-dia. As mudanças neurológicas no idoso causam desorientação temporo-espacial, diminuição da capacidade de comunicação, perda de memória e ainda sintomas comportamentais como apatia, agitação, agressividade.
Estudos atuais apontam para a eficácia da música como uma alternativa simples, sem efeitos colaterais e de baixo custo para amenizar os sintomas da demência.
As memórias musicais duram mais tempo
As memórias musicais são preservadas durante mais tempo, mesmo em fases mais avançadas da demência. As áreas cerebrais responsáveis por estas memórias são diferentes das responsáveis por outras memórias, como a memória episódica, a memória semântica e a memória autobiográfica, que são mais rapidamente atingidas pela demência. A experiência de ouvir uma música é para o cérebro diferente de a recordar, e em ambos os processos intervêm redes cerebrais diferentes.
Este facto faz com que a música consiga criar reações nas pessoas com demência, que conseguem aprender e reconhecer músicas ao longo de todo o processo demencial.
Além disso, as memórias que mais perduram são habitualmente as que estão ligadas a uma vivência emocional intensa. Assim, a música pode ser uma boa ferramenta no acompanhamento destas pessoas e é também uma forma de as fazer recordar momentos agradáveis, importantes e marcantes das suas vidas.
É fundamental conhecer o passado da pessoa
As pessoas idosas têm preferências musicais bastante distintas, não padronizadas, e passaram ao longo da vida por experiências marcantes nas quais a música estava presente.
Para provocar efeitos mais acentuados, é importante que a pessoa com demência se identifique com os sons da música que está a ouvir. Por isso, é muito importante conhecer a história de vida da pessoa, em que época cresceu, quais eram os sons que ouvia no dia-a-dia, que músicas passavam nas rádios, que ambientes gostava de frequentar… e usar o seu repertório de músicas afetivas e culturais.
Além de canções, ouvir sons agradáveis e que evoquem ao mesmo tempo memórias de experiências do idoso, como o som das ondas do mar, da floresta ou o riso de uma criança, pode também estimular a pessoa e despoletar os benefícios pretendidos.
Efeitos positivos da música
Diminui a agitação e irritabilidade
Os comportamentos de agitação e irritabilidade da pessoa com demência podem estar relacionados com as necessidades de conforto, inclusão, afeto, ocupação e identidade, necessidades estas que muitas vezes estas pessoas não conseguem expressar. A música pode satisfazer algumas destas necessidades do idoso, criando um ambiente em que se sente compreendido ao nível emocional.
Estimula a interação e a afetividade
A música pode ser um meio para a expressão da identidade da pessoa com demência e para a comunicação através do qual o idoso possa expressar sentimentos utilizando a linguagem não-verbal ou as capacidades que tenha, sejam visuais, vocais ou motoras.
A exposição ao estímulo musical, através da evocação de memórias, pode criar as bases necessárias para o idoso conseguir exprimir os seus sentimentos, falar dos acontecimentos e histórias da sua vida, e promover a interligação com os seus cuidadores e com outras pessoas.
Melhora o bem-estar e o humor geral da pessoa
A pessoa com demência experiencia frequentemente a angústia de se sentir perdida e de não reconhecer o local nem as pessoas com quem convive. A música provoca na pessoa com demência sentimentos de identificação e dá-lhe dados de reconhecimento temporo-espacial que a farão sentir automaticamente mais enquadrada e completa, o que irá melhorar o seu humor e bem-estar geral.
Resgata memórias e orienta a pessoa no tempo
Principalmente se se recorrer a canções que acompanharam a vida da pessoa com demência, a música tem a capacidade de fazer a pessoa recordar momentos da sua vida e organizar informações muito distintas como sentimentos, memórias e imagens de forma mais clara.
Uma canção pode conter um período inteiro da vida do idoso que, ao ouvi-la, pode ver restaurada em si a memória e a essência desse período de vida e dessa realidade que viveu. Quanto maior for a carga emocional proporcionada pela experiência musical, maior a probabilidade de existir uma memória forte ligada a essa mesma experiência. A escolha adequada do repertório pode servir para orientar o idoso no tempo, quando quase mais nada consegue tal efeito.
Estimula a cognição
A nível cerebral, o som é capaz de estimular áreas responsáveis pela memória, emoção, visualização, controlo motor e significado. Assim, através da música é possível estimular redes neuronais e criar associações que desencadeiam reações mais rápidas e eficientes no bem-estar da pessoa com demência.
Melhora a qualidade do sono
Ao diminuir a agitação e a ansiedade da pessoa com demência, a música garante a melhoria da qualidade do descanso/sono.
Pode-se inclusive utilizar música ambiente para criar um clima calmo e apaziguador.
Alive Inside
Um documentário sobre o efeito da música nas pessoas com demência
O documentário Alive Inside (em português Vivo por Dentro), do cineasta Michael Rossato-Bennett, mostra a capacidade de a música estimular as memórias e avivar as pessoas com demência. O filme foi realizado nos Estados Unidos da América e narra as experiências surpreendentes de indivíduos em todo o país que foram revitalizados através da experiência de ouvir música.
O vídeo abaixo mostra o momento em que Henry, idoso com demência num grau intermédio, ouve as canções gospel que ouvira na juventude e experiência uma alteração significativa da sua atenção e da sua interação com os cuidadores e com o cineasta.