O que é o idadismo? Como combater o estereótipo que afeta os idosos
Por Sónia Domingues , 25 de Setembro de 2023 Idosos
Em 2050, a população europeia será constituída por três pessoas com 65 anos ou mais em cada dez europeus. A sociedade ocidental está cada vez mais envelhecida, mas os idosos e os problemas que advém com a idade são desvalorizados. A sociedade aprecia a beleza relacionada com a juventude e a cirurgia estética que desvanece os traços relacionados com a idade é cada vez mais procurada.
Nos últimos anos, um termo começou a ganhar mais destaque, quer seja nos meios de comunicação, nas conversas e debates, e que é o significado para a discriminação que as pessoas enfrentam com base na idade, em vários setores da sua vida, mas as maiores vítimas do Idadismo são os idosos, grupo em que nos iremos focar.
O Idadismo é um termo relativamente novo no léxico da sociedade, mas neste artigo, vamos conhecer o significado deste conceito e quais as consequências que as pessoas enfrentam, à medida que vão envelhecendo e são vítimas do Idadismo. Vamos também saber os comportamentos a adotar para evitar cair no preconceito.
O que é o Idadismo?
O termo, que tem origem na palavra inglesa “ageism”, tem como significado a marginalização etária de que as pessoas sofrem. A sociedade, voluntária ou involuntariamente, age de forma condescendente e depreciativa em relação a pessoas mais velhas, tendo apenas por base precisamente a idade. O idadismo relaciona-se com a forma como a sociedade tende em apagar, silenciar e anular a participação do idoso como um membro ativo da comunidade. A partir de uma determinada idade, a sociedade pressupõe que o idoso já não contribui ou desvaloriza a sua contribuição. A invisibilidade social das pessoas afetadas é uma caraterística que está presente no Idadismo, uma vez que afasta os idosos da vida social e política.
O idadismo é um termo que representa a discriminação da sociedade perante os idosos.
Como surgiu o conceito do Idadismo?
O conceito de Idadismo surgiu em 1969, através de um gerontologista e psiquiatra, investigador do Instituto Nacional de Envelhecimento Americano. Robert N. Butler definiu o termo Idadismo, para descrever o significado da discriminação da sociedade para com os idosos. O investigador deparou-se com a resistência de uma comunidade, ao saber que iria ser construído um lar de idosos naquela área. As pessoas começaram a opor-se porque achavam que este equipamento iria desvalorizar a zona. Butler ficou intrigado com esta repulsa, dado que não havia explicação aparente para que as pessoas se opusessem à construção do lar de idosos e concluiu que o motivo da resistência da comunidade era que os vizinhos iriam ser idosos, apelidando este preconceito de Idadismo. Segundo este investigador, este termo significa as atitudes discriminatórias que as pessoas têm para com as pessoas idosas. O idadismo implica também os pensamentos preconceituosos que estão intimamente ligados à velhice e ao percurso do envelhecimento.
Um investigador deparou-se com a oposição da população à construção de um lar de idosos naquela localidade e descobriu que o motivo era apenas a idade
Como se manifesta o Idadismo?
O preconceito relacionado com a velhice manifesta-se de várias formas, muitas vezes é inconsciente e as pessoas não têm qualquer propósito em discriminar o idoso, mas outras tantas vezes é propositado. O Idadismo tem uma raiz cultural e não individual, porque a sociedade, influenciada pelos governantes, transforma o envelhecimento, aquilo que é um processo natural e inevitável, num problema social. Existem diversas formas de discrminação com base na idade, mas vamos deixar aqui os exemplos mais relevantes:Dificuldade na procura de emprego
Um exemplo evidente de Idadismo é a dificuldade em pessoas mais velhas conseguirem um emprego. Quantas vezes nos deparamos com a descrição de uma oferta de trabalho para integrar uma equipa “jovem e dinâmica”? As escusas à contratação de uma pessoa com mais idade são muitas: ou bem que não se encaixa na equipa, ou bem que tem demasiada experiência para o cargo e sairá mais caro do que um principiante, alegam que o conhecimento tecnológico exigido será difícil de conseguir numa pessoa com essa idade e outras desculpas que muitas empresas apresentam.
Discriminação no seio laboral
Por outro lado, a pessoa com mais idade pode ser discriminada junto da empresa, porque consideram que as ideias que apresenta são antiquadas e não são valorizadas ou já não tem a rapidez e destreza que tinha.Mas no dia-a-dia, verificamos que os idosos são muitas vezes excluídos de decisões que a eles próprios diz respeito e são tratados com laivos de paternalismo, que os inferioriza e desvaloriza. Outros casos há em que são alvo de piadas maldosas em virtude da idade.
Discriminação nos cuidados de saúde
Pese embora haja atendimento prioritário para maiores de 65 anos, as pessoas podem constatar que a realidade é diferente. Os idosos são constantemente prejudicados, porque os profissionais muitas vezes desvalorizam os sintomas como fatores relacionados com a idade, ou então dão prioridade aos mais jovens nos tratamentos. Essa discriminação foi notória nos anos da pandemia, em que se priorizava os mais jovens no acesso ao tão necessário oxigénio. Mas, mesmo não implicando risco iminente de morte, são numerosas vezes discriminados nos serviços de saúde, quando ficam horas à espera de atendimento, ou são esquecidos em macas de hospital.
Inferiorização pessoal
Acontece recorrentemente a própria pessoa interiorizar que já está velha e se considerar um fardo para os outros, isolar-se e deixar de fazer atividades que fazia por considerar que “parece mal” ou sentir-se desconfortável por estar rodeada de gente mais nova. Em muitos casos, a pessoa, fruto do estigma, interioriza que é um fardo para a família e acaba por se isolar. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada duas pessoas no Mundo tem atitudes preconceituosas em função da idade.
Através da colocação de obstáculos com base na idade, verifica-se que o idadismo está presente em vários setores da sociedade.
Quais são as consequências do Idadismo no idoso?
A discriminação com base na idade das pessoas tem consequências na saúde do idoso, mas não só. Como este preconceito está enraizado na sociedade, tem consequências institucionais e políticas, na medida em que se estabelecem proibições e limitações socialmente e legalmente instituídas. No que refere à saúde mental das pessoas idosas, o Idadismo está associado à diminuição da autoestima, em que o próprio idoso sente que tem menos valor em razão da idade. a discriminação social leva a que o idoso também opte por se isolar mais, tendo maior probabilidade de cair numa depressão ou ter crises de ansiedade. Na mesma medida que o idoso é discriminado socialmente, também o é institucionalmente, tornando-o mais vulnerável a nível financeiro e a uma diminuição na qualidade de vida.
O Idadismo tem consequências negativas na saúde mental do idoso, mas também na sua vida social e institucional
Um estereótipo vazio de sentido
José Saramago como exemplo de sucesso após os 60 anos
O estereótipo da inutilidade ou o esvaziamento do valor das pessoas mais velhas é uma marca do Idadismo, que José Saramago combateu como ninguém. O extinto escritor galardoado com um Prémio Nobel da Literatura, entre muitos outros prémios, passou por muitas profissões antes de se dedicar à escrita, alcançando o sucesso apenas aos 60 anos com a publicação da famosa obra “Memorial do Convento”, em 1982, mas o primeiro livro que escreveu foi lançado quando tinha 25 anos, mas sem sucesso. escreveu mais um que não chegou a ser publicado e começou com outro, mas escreveu ele na sua autobiografia, tendo chegado à conclusão de que “não tinha para dizer algo que valesse a pena”. Só passado 19 anos regressou à escrita, mas apenas conheceu o reconhecimento do seu valor como escritor aos 60 anos. Em 1995, já com 73 anos, publicou a aclamada obra “Ensaio sobre a cegueira”, que lhe valeu o Prémio Nobel da Literatura de 1998. Saramago é um excelente exemplo de que o preconceito vertido no Idadismo não faz sentido e que os idosos não são um fardo e, pelo contrário, contribuem ativamente para a sociedade.
Foi após ter cumprido os 60 anos que José Saramago se distinguiu no mundo da literatura
Como se pode combater o Idadismo?
O preconceito para com as pessoas mais velhas terão de ser combatidos com várias armas, para abarcar todas as vertentes do Idadismo. Por ser um problema grave discriminatório e que afeta cada vez mais gente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou a Década de Envelhecimento Saudável (2021-2030), em que aponta três caminhos para o combate ao Idadismo:Através de políticas e legislação adequada
Os Governos deverão legislar e avançar com políticas que reprimam a desigualdade com base na idade, por exemplo, no acesso ao emprego, aos cuidados de saúde, a seguros ou empréstimos bancários. Os órgãos de soberania devem avançar com normas e políticas que imponham a igualdade de direitos e que penalizem quem discrimina com base na idade. A estratégia política deverá também implementar mecanismos de fiscalização para reforçar a luta contra o Idadismo.
Pela via do ensino e da educação
A nível do ensino, deverão ser criadas aprendizagens que lutem contra os estereótipos ligados aos idosos, que deverão ser implementadas em todos os níveis de ensino, inclusive o universitário. Devem ser promovidas estratégias que visem inverter a imagem preconcebida que as crianças e jovens possam ter criado dos mais velhos.
Promovendo atividades intergeracionais
O convívio intergeracional deve ser promovido, como forma de combater o Idadismo. As atividades que estimulem a interação entre grupos de indivíduos de diferentes idades podem atenuar o preconceito e desconstruir os estereótipos negativos que existem em relação aos idosos.
Porque é importante combater o Idadismo?
Lutar para a igualdade na sociedade e para que os idosos não sejam discriminados é fundamental, não apenas por uma questão de justiça social, mas porque a própria sociedade tem muito a ganhar com a experiência e conhecimento dos mais velhos. Tal como José Saramago, os idosos são um contributo fundamental para a sociedade e não podem ser descartados ou desvalorizados, sob pena de perdermos conhecimentos e culturas vitais para a nossa evolução enquanto seres humanos.