Maus-tratos: As questões legais que o lar deve saber

Por Sónia Domingues , 06 de Fevereiro de 2023 Profissionais


Num cenário perfeito, nenhum proprietário de lar ou membro da direção imagina o cenário de um crime de maus-tratos. No entanto, nenhum lar está livre de uma acusação, que pode ser baseada em factos ocorridos, ou uma situação fabricada. Por isso, cabe à direção fazer uma monitorização muito atenta da sua equipa e instruir acerca de atitudes ou comportamentos que possam eventualmente constituir um crime de maus-tratos. Podemos achar que toda a gente sabe que comportamentos podem ou não constituir crime, mas a falta de instrução e cultura diferentes podem levar ao desconhecimento. Neste artigo, vamos caminhar por entre as teias da lei, e descortinar as questões legais que se escondem nas denúncias dos casos de maus-tratos a idosos cometidos no lar.



Na lei, o que são maus-tratos a idosos?


Maus-tratos são todas as condutas intencionais praticadas contra a pessoa idosa, que ocorrem num contexto de confiança e assentes numa relação de confiança ou responsabilidade, em que os comportamentos são geralmente reiterados.


Todas as condutas intencionais, que ocorram num contexto de confiança ou responsabilidade, e lesem o idoso são maus-tratos. Existem maus-tratos físicos, psicológicos, materiais e negligência.



Esta definição está na lei portuguesa, no Artigo 152ºA do Código Penal - Maus-tratos.​ As diferentes práticas de maus-tratos são separadas por categoria: 


Maus-tratos físicos

Os maus-tratos físicos compreendem o uso da força, que resulte em danos físicos ou psicológicos, como  golpear, restringir, bater, empurrar, sacudir, administrar alimentação forçada e administrar fármacos contra a vontade. Pode incluir violência sexual.



Maus-tratos psicológicos

No que trata a maus-tratos psicológicos, estes constituem o uso de palavras, atos ou outros meios para causar dor emocional ou angústia. Os maus-tratos psicológicos compreendem as ameaças, insultos, dar ordens injustificadas, ou ficar em silêncio e ignorar a vítima. A infantilização, modo paternalista de tratar o idoso como uma criança, também é uma forma de maus-tratos psicológicos.​​



Maus-tratos materiais

A nível de abuso financeiro, é considerada a exploração ou imprudência dos bens materiais do idoso. Nesta secção estão incluídas a burla ou a coação da vítima em administrar os bens de modo irresponsável ou favorecedor do outro.



Negligência (voluntária ou involuntária)

A negligência aplica-se quando a pessoa vulnerável é impedida de aceder a coisas essenciais como alimentação adequada, água, tratamento médico ou vestuário adequado. Também é considerada negligência quando a pessoa vulnerável é privada de viver num local seguro, adequadamente limpo e confortável.Os idosos podem ser expostos a situações de negligência propositadamente ou não. A negligência involuntária pode ser motivada por formação insuficiente ou inadequada, falta de recursos ou problemas mentais ou físicos do cuidador.



Idosos podem aceder a estatuto de vítima especialmente vulnerável


Existe um artigo na lei (Artigo 20.º da lei n.º 130/2015) que pode ser atribuído aos idosos que estão dependentes ou numa situação de dependência perante outrem. Muitos idosos que estão integrados em lar de idosos poderão ser considerados, aos olhos da lei, como vítimas especialmente vulneráveis. Assim sendo, os idosos têm medidas especiais de proteção.  Por exemplo, podem ser tomadas medidas para evitar o contacto visual entre as vítimas e os arguidos, durante a prestação de depoimento.



A APAV dá resposta a idosos vítimas de maus-tratos 


​O Manual Títono, para o atendimento a pessoas idosas vítimas de crime e de violência, tem um sem número de indicadores de vitimização em instituições. Trata-se assim de uma extensa lista de exemplos de maus-tratos suscetíveis de se verificarem em lares de idosos e outras instituições, como hospitais. A APAV detalha os tipos de direitos violados e as diferentes práticas que pode constituir crime de maus-tratos

Os exemplos mais óbvios são vários: fechar os idosos num quarto, usar objetos imobilizadores sem justificação médica, deixar pessoas idosas com dificuldade de mobilização sentadas ou deitadas durante muito tempo, sem ajudá-las a levantar-se, não mobilizar regularmente pessoas idosas acamadas. Usar medicamentos de origem opiácea e semelhantes sem prescrição médica. Praguejar com as pessoas idosas ou com outros profissionais diante das pessoas idosas ou gritar com os residentes idosos... Mas também há práticas que constituem maus-tratos e que nem toda a gente reconhece, como servir alimentos fora do prazo de validade.


Quando o profissional da APAV tem uma suspeita sustentada tem o dever de o denunciar por escrito ao Centro Distrital de Segurança Social, expondo detalhadamente a situação.



Se o Centro Distrital de Segurança Social não responder à denúncia naquilo que a APAC considera um prazo aceitável de trinta dias, fazem uma exposição ao Provedor de Justiça. Este tipo de práticas podem integrar o crime de maus-tratos previsto no art.º 152.º-A CP, mas em casos extremos, podem integrar o quadro de crime de ofensa à integridade física, previsto no artigo 143º e no artigo 144º do Código Penal.



Segundo a lei, de quem é a culpa dos maus-tratos?


No caso de maus-tratos a um idoso que resida num lar, e sempre que estes maus-tratos são efetuados dentro do próprio lar, existem três categorias de responsáveis, segundo a lei portuguesa. Em primeiro lugar, é o agente que comete diretamente o crime, ou seja, o funcionário que praticou o ato de maus-tratos. Em segundo, o agente que está num cargo hierárquico-funcional de vigilância sobre quem praticou o ato, uma vez que tem o dever jurídico de garantir que não ocorrem crimes de de maus-tratos (previsto no art.º 10.º, n.º 2 do Código Penal), ou seja, o superior ou supervisor responsável pelo funcionário, como o diretor técnico. Por último, a pessoa coletiva da instituição em si, ou seja o lar de idosos, pode também ser responsabilizado.


Consoante o caso, podem ser responsabilizados e condenados pelo crime de maus-tratos: o funcionário que comete o crime, o diretor técnico do lar, e mesmo a própria instituição onde o idoso residia.



Admite-se responsabilização dos lares pelo crime de maus-tratos nos casos em que a vítima (o idoso residente) tenha uma relação de subordinação e dependência para com o lar, como sendo uma figura de liderança e de autoridade. Muitas vezes, em ambiente de lar, são consideradas as três categorias responsáveis, pelo que terão de arcar com a responsabilidade penal. No entanto, será mais fácil imputar a responsabilidade criminal diretamente ao funcionário que praticou o ato, ao invés de acusar a direção técnica ou os proprietários. Cada caso é um caso, e importa referir que a boa contratação e supervisão apertada dos processos e acontecimentos no lar são fulcrais para evitar situações que envolvam a lei portuguesa.



O responsável do lar terá sempre responsabilidade


O trabalho com pessoas idosas requer muito cuidado, paciência e resiliência. Exige muito do auxiliar geriátrico, diretor técnico e qualquer outro funcionário, a nível físico e mental. Para evitar que alguma situação indesejável ocorra, o lar terá que estar muito atento e não sobrecarregar a sua equipa. Uma formação contínua e adequada e uma ligação forte com a equipa de profissionais são meio caminho andado para evitar situações que possam incorrer em maus-tratos aos idosos que estão ao cuidado do lar. No caso de ocorrer alguma situação do género, o responsável do lar terá de tomar medidas e proteger os idosos de todas as formas possíveis.



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