Lares ilegais: os perigos da clandestinidade

Por Joana Marques , 29 de Outubro de 2019 Notícias


Há notícias que, ao serem tão recorrentes, deixam de chocar e indignar. Todos os anos, na comunicação social, são divulgados números preocupantes de ações de fiscalização a lares de idosos que resultam em encerramento por falta de licenciamento ou de condições.

Esta semana foi divulgado que o Instituto da Segurança Social (ISS) fez 508 ações de fiscalização desde o início do ano até 30 de Setembro, das quais 93 resultaram em encerramento. Isto significa que, em média, a Segurança Social fechou compulsivamente dez lares por mês porque funcionam na clandestinidade.


Nove destes lares foram encerrados com carácter de urgência porque punham em risco a saúde e a segurança dos idosos.


Esta notícia deu também a conhecer outros números preocupantes: estima-se que existam cerca de 35 mil idosos a viver em lares ilegais, muitos deles localizados na zona da Grande Lisboa, entre Sesimbra e Sintra, onde a densidade populacional é maior do que noutras zonas do país. No entanto, isto não significa que não existam muitos outros equipamentos para idosos a operar na clandestinidade de norte a sul de Portugal Continental, não esquecendo as ilhas.


João Ferreira, da ALI, considera que a SS ignora a existência de muitos lares ilegais porque não tem respostas para os idosos em lares legais.​


Muitas destas ações de fiscalização decorreram no âmbito da intervenção direta, mas também de denúncias. Se a Segurança Social desconhece que muitos lares são ilegais, é urgente que cada um de nós, ao tomar conhecimento de uma situação de clandestinidade ou onde os idosos são maltratados e vivem em más condições, faça a denúncia.



A importância da denúncia


Não devemos ser socialmente permissivos e permitir que estes equipamentos continuem a funcionar na ilegalidade, por muito que sejam financeiramente mais apetecíveis para algumas famílias mais carenciadas, e com idosos com reformas insuficientes.

Nem todos os lares ilegais apresentam indícios de que são um risco potencial para o idoso. Alguns não são licenciados e isso, por si só, não leva ao encerramento imediato do local. Aliás, a lei prevê que nestes casos seja dado um prazo para que as devidas licenças sejam obtidas e sejam ultrapassados todos os obstáculos burocráticos.


​A falta de licenciamento é uma contra-ordenação grave, mas também é importante estar atento às situações que põem em risco a saúde e segurança dos idosos.


A legislação estabelece quais são as contra-ordenações puníveis com coima e, eventualmente, com o encerramento do estabelecimento. Entre elas, constam a inadequação das instalações, inclusivamente na prestação de cuidados de higiene e segurança; a insuficiência de pessoal técnico especializado e auxiliar, que põe em risco o normal funcionamento do lar; a alimentação insuficiente, que pode levar a casos de desnutrição alarmantes; e o excesso de lotação.

Se tem um familiar idoso num lar, é fundamental que faça um acompanhamento de perto, porque além das questões de falta de higiene e alimentação, também podem existir casos de maus-tratos que atentam à dignidade humana, numa faixa etária cuja progressiva debilitação é evidente.


Todos nós, enquanto cidadãos, temos a obrigação denunciar casos onde há um atentado contra a dignidade da vida humana.


​No entanto, deontológica e eticamente, profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros e técnicos de geriatria, têm uma obrigação acrescida no que se refere à denúncia das situações de risco com que se deparam no desenvolvimento da sua atividade. É dever destes profissionais não negar a assistência ao idoso se o local não tiver condições mínimas de higiene ou segurança.



Estar atento aos sinais


Existe uma perceção generalizada de que a Segurança Social não consegue resolver o problema dos lares ilegais porque, se todos estes equipamentos fossem encerrados por operarem fora dos limites da lei, então não existiriam soluções adequadas para realojar os idosos. Uma das alternativas poderia ser o modelo da comparticipação, mas isso faria aumentar a despesa pública, pelo que vão sempre existir lares ilegais e notícias sobre isso.


«A maioria dos idosos não vive, existe. E existir sem ser visto, é uma espécie de morte.» Josias Ayll​



​Já questionámos
as razões para que as famílias se sujeitam a colocar os seus idosos em risco ao colocá-los em lares ilegais e esta é uma situação que continua na agenda do dia. Muitos familiares optam por lares não legalizados porque é uma solução de último recurso para quem não consegue pagar sítios com boas referências e condições. Seja qual for a sua opção, esteja atento aos seguintes sinais de alerta para que o seu familiar idoso não esteja a ser negligenciado ou maltratado:


  • Pessoal qualificado que assegure a prestação dos serviços durante 24 horas por dia;

  • Pessoal suficiente que permita um acompanhamento de proximidade a idosos com elevado grau de dependência, como é o caso dos que estão acamados;


  • Dispor de espaços como lavandaria, salas de arrumos, sala para os medicamentos, cozinha, que sejam interditos aos idosos e familiares;


  • Ter casas de banho suficientes face ao número de quartos (pelos menos uma casa de banho para cada 4 idosos);


  • Existência do conceito de banho geriátrico e assegurar que as banheiras ou cabines, sanitas e lavatórios possuem apoios;


  • Inexistência de camas improvisadas ou de espaços improvisados que são utilizados como dormitório, refeitório ou sala de convívio;


  • Sinais evidentes de maus-tratos físicos e/ou psicológicos, que podem incluir o hábito de conter idosos mais agitados ou de os sedar de forma a que não causem distúrbios;


  • Inexistência de atividades lúdicas ou que fomentem a motricidade.