Combater a solidão dos idosos durante a época de Natal
Por Joana Marques , 13 de Dezembro de 2019 Idosos
«Fernandinha tem 86 anos e vive sozinha com o seu cão, num bairro urbano de Lisboa. Aproxima-se o Natal e a noite de consoada vai ser passada entre memórias, sentada a uma mesa vazia. É uma noite igual a tantas outras, mas o facto de ser Natal faz com que o sentimento de solidão seja mais profundo. Um dos filhos está emigrado na Alemanha, a outra filha foi passar o Natal ao norte do país, com a família do marido.
Este Natal vão ecoar nas paredes da sala de jantar de Fernandinha as gargalhadas e a excitação dos netos ao abrir os presentes e o silêncio que substitui o aconchego dos mimos trocados entre família.»
A solidão não faz obrigatoriamente parte do envelhecimento, mas adensa-se à medida que os anos vão passando: o luto pelos familiares e amigos que vão falecendo, a ocorrência de doenças graves ou típicas do tempo mais frio e a progressiva diminuição da mobilidade dão origem ao isolamento social, que a partir de determinada altura passa a ser encarado pelos idosos como um elemento normal das suas vidas. Não devia ser assim e existem maneiras de ajudar os mais velhos nestes períodos mais difíceis como o do Natal, que podem provocar um aumento da ansiedade, pensamentos depressivos e alterações na saúde mental.
A solidão dos idosos em Portugal
Em Outubro de 2019, no âmbito da operação Censos Sénior, realizada pela Guarda Nacional Republicana (GNR), foram sinalizados cerca de 41 mil idosos que vivem sozinhos ou que estão isolados, de norte a sul do país. O objetivo foi identificar que idosos vivem sozinhos, isolados ou em situação de vulnerabilidade, devido à sua condição física, psicológica ou outra que ponha em causa a sua segurança.
A solidão não é tão vincada nos distritos de Lisboa e do Porto. Vila Real é o distrito onde vivem mais idosos sozinhos, seguindo-se a Guarda, Faro e Viseu.
A solidão não atinge somente os idosos (aliás é um problema transversal nas sociedades contemporâneas), mas tem tendência para aumentar com a idade. A reforma implica um afastamento das ligações sociais e amizades forjadas na vida profissional; a probabilidade de morte de pessoas próximas e familiares aumenta; e vão surgindo doenças debilitantes e incapacitantes, como a demência ou perda de mobilidade.
Os dias em que o silêncio fala mais alto
A solidão pode ser um sentimento mais frequente entre os idosos que moram sozinhos, comparativamente com aqueles que vivem em lares ou instituições residenciais, locais onde podem contar com a companhia de outros seniores. No Natal, para quem vive sozinho, os dias 24 e 25 de Dezembro são apenas mais dois dias, um bocadinho diferentes dos outros, porque existe uma alteração da rotina do dia-a-dia.
No dia de Natal está tudo fechado. Por vezes, os familiares e amigos estão mais distantes e preocupados com a logística em torno das celebrações natalícias, não dispondo de tempo para dar assistência aos idosos.
Voltemos à história de Fernandinha.
«O momento mais animado do seu dia é a hora do café, onde se junta com as amigas, quase todos os dias, das 11h às 12h30. Ao sábado almoça com a família ou num dos restaurantes do bairro e aos domingos vai à missa. Dá vários passeios com o seu cão, mas já lhe vão faltando as forças para aguentar a impetuosidade do bicho, que já a levou ao chão uma série de vezes, incapacitando-a de sair de casa durante alguns dias.
Estando perante a circunstância de passar este Natal sozinha, as rotinas de Fernandinhas vão ser interrompidas, logo numa época em que o pensamento se foca no que é tipicamente natalício: a emoção de retirar, um a um, os presentes debaixo da árvore de Natal e a partilha de uma refeição de bacalhau cozido e bolo-rei com os entes mais queridos.»
Muitos idosos que moram sozinhos têm estas rotinas de ir a espaços públicos para manter algum contato social, seja em cafés, bibliotecas, lojas de rua, correios, farmácias e mesmo supermercados perto de casa. No entanto, existem formas de amparar os mais velhos durante os dias que antecedem o Natal e nos dias 24 e 25 de Dezembro.
Nos lares para idosos a situação é menos preocupante, porque os que não passam o Natal com a família têm direito a um jantar de consoada, que é sempre diferente do jantar dos outros dias, na companhia dos que também passam a data longe dos familiares. Para os idosos que vivem sozinhos, existem algumas coisas que todos podemos fazer para que esta época do ano seja um bocadinho mais feliz e condizente com o espírito natalício.
O que é que pode fazer pelos idosos durante a época do Natal?
Para que a solidão não seja amplificada pela falta de alguém com quem passar tempo durante a época natalícia, entre em contato com os seus vizinhos idosos ou aqueles que conhece no seu bairro e que moram sozinhos. Seja persistente, mas não intrusivo, pois existem muitos seniores que escondem os seus sentimentos de solidão por vergonha ou medo de serem um fardo para as suas famílias e aqueles que os rodeiam.
Comece, por isso, com iniciativas simples, mas que podem fazer toda a diferença e que não obrigam forçosamente à adesão a instituições de caridade ou voluntariado. Aliás, o voluntariado e a caridade começa em nossas casas e com aqueles que estão à nossa volta e precisam da nossa intervenção e atenção.
Pergunte em vez de assumir um pressuposto
Não assuma que o seu vizinho idoso não precisa de ajuda ou companhia durante a época do Natal. As pessoas mais velhas têm tendência para serem mais estóicas e não querem sentir-se julgadas por estarem sozinhas, como se o facto de a família estar longe ou ausente se devesse ao fardo que eles pensam representar. Mesmo que o idoso fique relutante em aceitar qualquer tipo de ajuda ou companhia, convide-o na mesma para um chá, em sua casa ou na dele, com o pretexto de querer ouvir algumas das suas histórias de vida.
Ajude com as decorações de Natal
Quem sabe previamente que vai passar esta quadra sozinho tem mais tendência para não ter vontade de decorar a casa. Se o seu vizinho não tem uma árvore de Natal, ofereça-se para ir com ele comprar uma e ajude-o depois a decorá-la. Por vezes, é quanto basta para tornar o ambiente da casa mais festivo e, consequentemente, melhorar o humor do idoso.
Informe-se das iniciativas de Natal nas imediações
Imensas Juntas de Freguesia, Centros Comunitários e Câmaras Municipais organizam jantares-convívio de Natal e outras atividades relacionadas com a época natalícia. Caso o idoso não consiga ir pelos seus próprios meios, ofereça-se para o ir pôr e buscar. Caso ele se sinta inseguro e ansioso, sugira que lhe pode fazer companhia durante o evento.
Ajude com as compras de Natal
Mesmo que a família e os amigos não estejam presentes na consoada e dia de Natal, o idoso gosta sempre de enviar presentes por outras pessoas ou pelo correio.
Ofereça-se para levar o idoso a um evento
Mesmo que este seja na véspera ou no dia de Natal, já que durante estes dias os transportes são limitados e isso pode ser um impedimento para que o idoso passe algumas horas de diversão e festividade.
Convide-o para partilhar a ceia de Natal consigo
Um lugar a mais à mesa pode não fazer grande diferença no seu orçamento, mas pode fazer uma grande diferença para quem iria ficar sozinho em casa de outra forma. Não esteja preocupado se tem um presente para lhe dar, pois o mais importante é a companhia, uma palavra amiga e o sentimento de pertença que é criado pela oportunidade de partilhar estes momentos com outras pessoas, que mesmo não sendo família, são pessoas em quem o idoso confia e com quem se sente à vontade.
Informe-se se instituições existem na sua área de residência ou a nível nacional que prestam auxílio aos idosos na época do Natal (especialmente com bens alimentares e de primeira necessidade) ou que promovam grupos de suporte, atividades cívicas ou religiosas e convívios nesta época.
As relações sociais reais e autênticas são o melhor presente que pode dar a um idoso neste Natal.