Afinal, o que são maus-tratos a idosos em lar?
Por Sónia Domingues , 01 de Fevereiro de 2023 Lares e Residências
O processo de integração de um idoso num lar é bastante complexo. Em primeiro lugar, há que tomar a decisão de procurar um lar e, depois, inicia-se o processo de escolha do lar. Quando o idoso finalmente está acomodado no lar, a família tem um papel fundamental para garantir que fez a escolha acertada e que o idoso está confortável, seguro e feliz. Se numa primeira visita ao lar tudo parece perfeito, na realidade pode não ser bem assim.
Quando a família escolhe um lar de idosos sem apoio especializado, pode desconhecer quais são os pressupostos certos para fazer uma escolha acertada.
Num mundo perfeito, o residente do lar de idosos é tratado com toda a dignidade e humanidade, recebe os cuidados de saúde de que necessita e é estimulado a ter uma vida social ativa com os restantes residentes. O lar promove também atividade física e cognitiva adequada e programas culturais e recreativos, para o idoso ter um envelhecimento ativo. Num mundo perfeito é assim.
Mas, infelizmente, a realidade é que alguns lares de idosos não cuidam bem dos residentes. Existem alguns sinais de alerta que podem ser identificados com algum poder de observação e atenção por parte das famílias. Neste artigo, vamos saber como a família pode fiscalizar o lar e detetar sinais de maus-tratos ao idoso.
Há diversos tipos de maus-tratos
Tal como as mulheres e crianças, os idosos, por serem mais frágeis, são mais propensos a sofrerem de maus-tratos. A lei portuguesa identifica como crime todas as condutas intencionais praticadas contra as pessoas, que ocorrem num contexto de confiança e assentes numa relação de confiança ou responsabilidade, em que os comportamentos são geralmente reiterados. Algumas vezes, quando os cuidadores estão sobrecarregados, não têm paciência ou simplesmente não têm empatia para com a situação do residente idoso, podem ocorrer situações de maus-tratos, como:
- Maus-tratos físicos: Restringir, bater, empurrar, sacudir, alimentação forçada, administração de fármacos não receitados.
- Maus-tratos psicológicos: Insultos, dar ordens injustificadas, ignorar o idoso.
- Negligência: o idoso não é alimentado e hidratado condignamente; não recebe cuidados de higiene adequados; o lar não proporciona momentos de socialização ao idoso; o lar não presta os cuidados de saúde adequados.
Se existem casos de negligência e maus-tratos graves, que advêm do pouco escrúpulo do lar, outros há que são irrefletidos e podem ser resolvidos com uma chamada de atenção da família.
A família deve ter um papel vigilante
Quando o idoso residente em lar sofre de algum défice cognitivo, que o impeça de ter uma conversa coerente, não terá a capacidade de exprimir o desconforto que sente. Também em casos de demência, como Alzheimer, o idoso está especialmente frágil e pode não ter a noção do que é o mau-trato ou não se conseguir expressar. Mas, mesmo quando o idoso tem as capacidades cognitivas inalteradas pode eventualmente não reconhecer os sinais de abuso. Também pode optar por não dizer nada porque não quer incomodar a família.
A adaptação ao lar pode ser complexa ou mais simples, mas a família não pode confundir a ambientação ao novo espaço com sinais de negligência e maus-tratos.
Por essa razão, a família deve estar atenta a sinais que revelam que algo não está bem com o idoso. Mesmo que a mudança para o lar tenha sido recente, a família não pode descartar os sinais de maus-tratos ou negligência como fruto da habituação ao lar. Sinais de desconforto, tristeza e depressão não devem ser tomados de ânimo leve.
O que podem ser maus-tratos em lar?
1 - Se a aparência do idoso parece descuidada
Se o idoso se apresenta com aparência negligenciada quando a família o visita, então como será quando vira costas? Uma das situações mais comuns encontradas em lares de idosos é os residentes andarem de pijama todo o dia. Até pode eventualmente parecer confortável, no entanto, este é um sinal de negligência que atenta à dignidade do idoso. Se o lar repetidamente não vestir o idoso para o dia, enquanto seja possível perante as suas condições de saúde, a família deve chamar a atenção da direção técnica, para que o idoso seja tratado com dignidade e que seja respeitada a sua identidade, com as suas próprias roupas. A aparência cuidada influi positivamente no estado mental e auto-estima do idoso.
Seja vestir pijamas ou fato de treino o dia todo, ou usar roupas trocadas, de outros residentes, não é saudável e tem grande impacto no bem-estar do idoso.
Em alguns casos, os lares trocam a roupa dos idosos, não os vestindo com as peças que lhes pertencem, o que causa muito desconforto. A roupa que se escolhe para vestir constitui um traço de personalidade fundamental. Não respeitar a propriedade da roupa do idoso e vesti-lo com uma outra pertencente a outro idoso e algumas vezes, a um idoso falecido, é um claro sinal de negligência e desrespeito pela individualidade do residente.
2 - Se o idoso está apático ou prostrado
Se existe um sinal de negligência que afeta a saúde e disposição do idoso é a alimentação e hidratação desadequadas. A família, sempre que lhe seja permitido, deve acompanhar algumas refeições do idoso, provar a comida servida e estar atenta a referências de datas de validade dos iogurtes, por exemplo, ou à qualidade da fruta servida.
Flutuações significativas de peso, pele e cabelo baço e um olhar ausente podem significar que o idoso não está a ser alimentado convenientemente.
Se o lar não permitir, ou tentar evitar o acompanhamento da família, este comportamento já levanta suspeitas. Se o idoso sofrer alguma alteração de peso significativa, ou apresentar sinais de problemas gastro-intestinais, provavelmente a alimentação e hidratação não será adequada, principalmente se tem algumas restrições alimentares, por causa de doenças associadas, como colesterol alto ou diabetes.
3 - Se se nota falta de higiene no idoso e nas suas roupas
Quando a família entra no lar para uma visita, pode notar odores desagradáveis no lar e no próprio idoso. Se a família pensa que é normal por se tratar de uma residência de idosos, está redondamente enganada. A higiene precária do idoso causa grande desconforto e provoca o declínio na sua saúde. Um lar de idosos que trata da higiene dos residentes com esmero e preocupação não tem cheiros desagradáveis.
Tanto o lar como o idoso, independentemente da altura do dia, devem estar limpos e ter um cheiro neutro, nunca desagradável e pungente.
O idoso deve tomar banhos frequentes. Se usar descartáveis, estes deverão ser trocados com frequência, para evitar desconforto, cheiros e doenças da pele e infeções do trato urinário, ou outras. Outro sinal de maus-tratos e negligência é se a roupa que o idoso veste tem odores desagradáveis, manchas e reflete pouco cuidado. O idoso deve estar sempre apresentado condignamente, com a barba aparada, penteado e bem cuidado.
4 - Se o idoso aparenta ter medo dos auxiliares
Os idosos passam os seus dias acompanhados dos outros residentes do lar, e dos auxiliares geriátricos, que os cuidam e acompanham. A simpatia e educação dos auxiliares e restantes profissionais do lar de idosos pode ser habitual para com os idosos sempre que a família faz uma visita. Mas um olhar atento ao comportamento do idoso faz toda a diferença. Há sinais ligeiros, mas percetíveis se olhar com atenção, de que a relação entre o idoso e o auxiliar geriátrico não é saudável e positiva, como deve ser.
Calar-se ou baixar a voz quando o auxiliar se aproxima, desviar os olhos e mostrar respeito excessivo, ou movimentos físicos de afastamento perante um movimento do auxiliar são indicativos de maus-tratos.
Há indícios que são indicativos de que algo está muito mal dentro das quatro paredes do lar. Sinais de alteração do comportamento do idoso quando o auxiliar se aproxima, como respeito excessivo, ou responder com um movimento físico de afastamento perante um movimento do auxiliar. Este é um caso muito preocupante e a família deve tomar logo medidas para saber o motivo do receio do idoso perante o auxiliar ou outro profissional do lar.
5 - Se o lar não é proativo a comunicar ocorrências ou quedas do idoso à família
Todas as lesões e marcas devem ser explicadas pela direção técnica do lar, havendo um registo das ocorrências e dos motivos de ida ao médico ou urgências.
Uma explicação que parece demasiado ensaiada e detalhada, ou então descabida, deve ser motivo de desconfiança e preocupação. Se, por outro lado, a família verifica que o idoso é levado ao médico tardiamente, ou quando a situação clínica já se agravou, este é um sinal alarmante que não deve ser desprezado. Isto revela alguma incúria e negligência perante o estado de saúde do idoso. Quando isto acontece, normalmente a questão é levantada pelo médico que assiste o idoso no hospital. Tente sempre falar com a equipa médica de emergência e a equipa médica do lar, para tirar as dúvidas todas.
A família deve ter sensibilidade e bom senso na relação com o lar
Os maus-tratos e negligência aos idosos nos lares não são incomuns e pouco frequentes, mas se a família adotar uma posição muito próxima do idoso e o visitar regularmente, pode detetar os sinais atempadamente. Agora que já é conhecedora de cinco sinais que as pessoas ignoram ou desvalorizam, é tempo de colocar em prática uma posição mais observadora quando visita o familiar idoso no lar.
A postura mais exigente e atenta deve ser assumida com bom senso, pois a reclamação leviana não é sinónimo de uma família preocupada. Apenas irá causar stress e tensão na relação entre o lar e a família e poderá também repercutir no idoso, que assiste a esta situação. O lar de idosos de qualidade respeita a autonomia, identidade e integridade do idoso e oferece uma vida digna, feliz e confortável. No entanto, nada como um olhar fiscalizador da família para assegurar que o idoso recebe o melhor cuidado e tem um envelhecimento digno.