Nem tudo o que parece é demência
Por Joana Marques , 30 de Outubro de 2020 Demência
A demência, termo genérico que designa um conjunto de doenças neurodegenerativas, é comumente associada aos idosos. No entanto, nem todos os seniores desenvolvem doença de Alzheimer ou outra demência, e esta não é uma consequência normal do envelhecimento.
Existem doenças que apresentam sintomas semelhantes aos da demência, mas que são reversíveis e tratáveis.
A perda cognitiva decorrente da demência é progressiva e irreversível. Uma doença deste tipo provoca alterações no comportamento, na personalidade e na capacidade funcional do indivíduo, comprometendo a sua saúde e bem-estar. Pelo contrário, as doenças que apresentam sintomas semelhantes aos da demência são tratáveis.
Neste artigo, damos-lhe a conhecer quais são as principais condições de saúde que mimetizam a demência e que são reversíveis se forem devidamente diagnosticadas e tratadas.
Delirium, Depressão e Demência
Conhecidos entre os especialistas como os «três dês», o delirium, a depressão e a demência são doenças diferentes que partilham os mesmos sintomas (perda de cognição, confusão mental, perda de memória e alterações de humor) e que por isso podem facilmente ser confundidas entre si.
A depressão pode ser um dos primeiros sintomas de Alzheimer, a mais comum das demências entre os idosos.
Há uma estreita ligação entre estas três doenças e é possível que se manifestem no mesmo idoso ainda que em momentos diferentes. Em relação à demência, o aparecimento de sintomas é mais súbito; no caso da depressão e do delirium, os sintomas cognitivos e as alterações de humor são menos graves e afetam menos a memória.
O delirium é episódico, também é designado por estado confusional agudo e incide especialmente em idosos hospitalizados devido a quedas.
O tratamento constitui a grande diferença entre estas três condições: a demência (muito frequentemente, Alzheimer) não tem cura e a medicação apenas retarda os sintomas; a depressão e o delirium são reversíveis, mas só se forem atempadamente diagnosticados e tratados, pois de outro modo podem passar a doenças crónicas e causar sequelas permanentes.
Infeção do Trato Urinário (ITU)
O idoso pode desenvolver sintomas atípicos quando o seu organismo está a combater uma infeção. Alguns desses indícios de doença são muito semelhantes aos da demência, especialmente a confusão mental (ou mesmo alucinações), as falhas de memória e mudanças significativas de comportamento, como agitação ou agressividade.
A infeção urinária é uma das doenças bacterianas mais comuns entre idosos, consequência de baixos níveis de imunidade e da má utilização de fraldas geriátricas.
A febre e o ardor ou dor ao urinar são dois dos principais sintoma de uma ITU, mas que nem sempre se manifestam entre os mais velhos. Além disso, sintomas como incontinência urinária ou aumento da vontade em urinar não são conclusivos, pois ocorrem frequentemente sem que exista qualquer tipo de infeção e justificam a utilização de fraldas.
Normalmente, não associamos uma ITU a sintomas como perda de memória, confusão, delírio, tonturas e agitação.
As infeções interferem com a capacidade de o cérebro enviar e receber sinais, o que em parte justifica o quadro semelhante ao da demência. Os sintomas cognitivos desaparecem assim que forem administrados antibióticos O diagnóstico precoce de uma UTI e a administração do tratamento (antibióticos, beber muitos líquidos e descanso) normaliza o estado mental do idoso e previne que esta se torne numa doença renal crónica.
Alterações na tireóide ou diabetes
Os distúrbios hormonais (tireóide) e os metabólicos (diabetes e hipertensão) podem provocar alterações de comportamento no idoso ou levar ao desenvolvimento de outras doenças causadoras de confusão mental e perda de memória ou de consciência.
Alterações na tireóide
Os distúrbios da tireóide são de lenta evolução e nos idosos podem ser facilmente confundidos com sinais típicos de envelhecimento, em especial as alterações de apetite (ganho ou perda de peso excessivos), a perda de memória e alterações no comportamento.
A produção em excesso ou insuficiente de hormonas da tireóide podem desencadear sintomas que também ocorrem em idosos com demência.
A apatia, a falta de forças, a lentificação da fala e os desequilíbrios na marcha podem ser sinais de hipotireoidismo; um ritmo cardíaco anormal e sinais de irritabilidade, ansiedade e insónia podem ser sinais de hipertireoidismo. Aliás, as palpitações e o nervosismo típicos do hipertireoidismo podem ser facilmente confundidos com problemas cardíacos e até depressão. Por seu lado, o hipotireoidismo em idosos pode fazer com que eles pareçam confusos e esquecidos.
Só um endocrinologista poderá dizer se os sintomas típicos da demência que o idosos apresenta são consequência de alterações no funcionamento da tireóide.
Hiperglicemia (diabetes) e hipoglicemia
Também é necessário ter em consideração as alterações dos níveis de glicose no organismo. Nos idosos, o excesso ou a falta de açúcar no sangue podem causar visão turva ou dupla, confusão mental, dificuldades em falar e irritabilidade. A hipoglicemia pode inclusivamente levar a perdas de consciência, ou seja, a desmaios que originam quedas. Já a hiperglicemia, ou diabetes, provoca a progressiva destruição dos vasos sanguíneos, podendo ser responsável pela falta de irrigação sanguínea do cérebro e a doenças cardiovasculares.
Deficiências nutricionais
Uma boa alimentação e hidratação são fundamentais para o bem-estar físico e psicológico dos idosos. Uma dieta equilibrada e diversificada pode inclusivamente retardar os primeiros sinais de demência. Pelo contrário, uma má nutrição pode levar a carências vitamínico-minerais e ao desenvolvimento de anemias e a alterações mentais.
O défice das vitaminas B1, B3, B9 e B12 podem causar demência temporária, mas reversível.
A falta de tiamina (B1) provoca distúrbios da consciência e das capacidades mentais, em mais de 90% dos casos, e leva o que o idoso se sinta apático, indiferente, incoerente e desorientado no tempo e no espaço. A falta de niacina (B3) provoca déficits de atenção e declínio das funções executivas (controlo de pensamentos, emoções e acções).
O organismo não tem capacidade para sintetizar a vitamina B12, que só pode ser obtida através do consumo de carne, ovos e produtos lácteos.
Os sintomas provocados pela falta de ácido fólico (B9) e cobalamina (B12) são muito semelhantes e sabe-se que os idosos que têm défice de vitamina B9 e B12 têm maiores probabilidades de vir a sofrer de demência. É importante que a dieta do idoso seja rica em alimentos que contém estas vitaminas, cuja carência pode levar à apatia, sonolência, instabilidade emocional, confusão mental e até alucinações.
A desidratação é comum entre os idosos e se for prolongada pode levar ao desenvolvimento de deficiências cognitivas, como confusão mental, desorientação e falta de memória.
Hidrocefalia de pressão normal (HPN)
A hidrocefalia é uma consequência da acumulação do líquido que envolve o cérebro (líquor ou líquido céfalo-raquidiano) nalgumas das suas cavidades. O excesso de líquido comprime o cérebro e prejudica o desempenho das funções cerebrais.
Em idosos, esta doença designa-se por Hidrocefalia de Pressão Normal e têm como sintomas típicos a dificuldade de locomoção, a incontinência urinária e as deficiências cognitivas, em especial perda de memória.
A acumulação deste líquido que hidrata e protege o cérebro pode decorrer de quedas (traumatismos cranianos) e de tumores cerebrais.
Não é possível fazer um diagnóstico de HPN apenas com base na sintomatologia, pois são inúmeras as doenças que podem causar dificuldades no andar, incontinência ou sinais de demência. Desse modo, será sempre necessária a confirmação através de uma ressonância magnética ou de uma punção lombar, que permite drenar o excesso de líquido e aliviar de imediato os sintomas.
Efeitos secundários da medicação e intoxicações
Os medicamentos representam uma das maiores evoluções na medicina, previnem, curam ou controlam doenças e permitem uma melhor qualidade de vida, especialmente aos idosos, que vivem cada vez mais tempo. Embora proporcionem benefícios significativos no alívio de infecções, dos sintomas de doenças crónicas e da dor, nenhum medicamento está isento de efeitos secundários.
Os efeitos secundários da medicação, a reação a um determinado medicamento ou a interação entre vários medicamentos podem causar sintomas semelhantes aos da demência.
Quando os efeitos secundários interferem com a atenção, memória, linguagem, função executiva, ou outras faculdades cognitivas podemos estar perante uma pseudo-demência. Além disso, a acumulação de toxinas farmacológicas no organismo também causam declínio mental, em especial as que se podem encontrar em medicamentos indicados para distúrbios gastrointestinais, insónias e hipertensão, entre outros.
O organismo de um idoso não é tão eficiente na metabolização e eliminação dos medicamentos, o que provoca uma acumulação de resíduos que causa falhas de memórias e declínio cognitivo.
Deste modo, é muito importante saber ao certo que medicamentos é que o idoso está a tomar e perguntar ao médico se existe alguma correlação entre o aparecimento súbito de sintomas parecidos com a demência.
Existem outras condições médicas com a capacidade de causar sintomas que mimetizam a demência:
- Historial de consumo excessivo de álcool, que destrói as células cerebrais que estão diretamente relacionadas com a memória, o pensamento lógico, a tomada de decisões e o equilíbrio;
- Tumores cerebrais, coágulos sanguíneos ou infeções no cérebro;
- Doenças cardíacas ou pulmonares que interfiram com o fornecimento de sangue ou oxigénio ao cérebro e que dependendo da gravidade pode degenerar em demência vascular;
- Doenças hepáticas ou renais, que podem provocar a acumulação de toxinas no sangue;
- Problemas de visão ou audição;
- Envenenamento por pesticidas ou metais pesados (como chumbo, ferro ou mercúrio);
- Hipoxia, ou seja, falta de oxigenação dos tecidos dos órgãos decorrente de ataques cardíacos, apneias graves ou asma.