Gerir a morte num lar: todos iguais, mas todos diferentes
Por Daniel Carvalho , 09 de Junho de 2020 Lares e Residências
A morte é um assunto de interesse permanente em todas as culturas do mundo. O próprio acto de morrer e os rituais que o rodeiam são extremamente variados e dependem de cultura para cultura.
Porventura, a morte do outro está relacionada com o sentido de vida do idoso, o ambiente institucional onde está e as suas percepções pessoais da palavra. Sabemos que existem várias realidades vivenciais, a maioria positivas, mas a evidência do medo, da dor, do sofrimento e isolamento, que estão presentes nestes idosos após a perda do outro, prioriza o cuidado, que deve ser um processo contínuo, porque o idoso espelha-se na morte do outro.
O apoio do lar desde o primeiro dia é essencial
Com a institucionalização, o idoso inicia um novo percurso na sua vida. As dificuldades inerentes a este período surgem e o idoso necessita de apoio, incentivo e orientação para adquirir confiança para enfrentar o novo desafio. Uma das principais dificuldades associadas ao percurso no lar é o lidar permanente com a morte. Cada idoso sente e lida de forma diferente, tendo em conta que está associada à sua personalidade, ao seu apoio familiar, ao seu passado social e à assistência profissional do lar.
Ao referirmo-nos à morte do outro estamos a mencionar a morte do próximo, de alguém que coabita com o idoso. Passou a fazer parte da sua vida em contexto de lar, logo encontra-se no seu meio social de partilha das mesmas experiências institucionais. A morte de um colega de lar é um processo de transição doloroso que envolve o falecido e os utentes.
A morte envolve então não só uma gestão do luto, mas também da continuidade da vida para os restantes idosos.
Segundo Douglas Davies, autor do livro História da Morte, a morte é encarada de quatro maneiras: como o luto pessoal, como a morte do ‘outro’, como a consciência pessoal da morte e como a nossa própria morte. Segundo Davies, a ‘morte do outro’ é um dos principais momentos da vida em que os indivíduos têm tendência para sentir a perda de objetivos pessoais e do valor da vida, ainda mais quando se tratam de idosos em convivência permanente.
3 formas de gerir o luto em lares de idosos
1 - Conversar com os idosos a cumprir luto
Um lar é uma instituição habituada a lidar com a morte. No entanto, cada situação deve ser tratada como única, pois pode representar uma dor importante para um grupo de utentes ou até mesmo para a vida do lar. O trabalho emocional em função de perdas é um meio eficaz de transmitir conforto aos utentes. Em contrapartida, a solidão ou a indiferença podem agravar o luto.
Assim sendo, devemos considerar o reforço das visitas dos familiares, preparados para lidar com o momento. Demonstrar empatia genuína com a dor do idoso, ainda que a família possa não conhecer o falecido, é por si só um alento.
2 - Proporcionar momentos de distração
Sair do lar, marcar um passeio ou praticar atividades ao ar livre são momentos que irão ajudar os idosos a quebrar a sua rotina e amenizar a angústia do luto. É uma altura fundamental para os animadores socioculturais estarem perto dos idosos.
Estes momentos não servem, de todo, para esquecer o idoso falecido. Servem sim para evidenciar positivamente as suas memórias, ao mesmo tempo que se transita, a pouco e pouco, para o estado de normalidade.
3 - Dar espaço ao idoso para viver o seu luto
Como vimos, a morte percecionada por um idoso institucionalizado ganha contornos especiais. Assim sendo, é importante compreender as várias fases que incluem o luto, caso contrário este processo nunca chegará ao fim.
Se por um lado é importante criar momentos de distração, por outro é necessário saber dar o espaço ao idoso para viver o seu luto. Saber ouvi-lo caso pretenda falar sobre o assunto, ou simplesmente saber respeitar os seus momentos de instrospeção.
Para um idoso não institucionalizado, superar a morte de alguém provoca uma reconstrução enquanto pessoa. Porém, um idoso em lar lida com a morte mais vezes e acaba por ter uma maneira diferente de lidar com a situação.
Num lar, o luto do idoso deve ser mais acompanhado
Para compreendermos melhor as diferenças individuais no momento de perda de alguém é necessário compreender como estes processos são influenciados pelo passado da pessoa, associado à família, aos amigos e ao seu cônjuge.
O processo de institucionalização não é fácil para nenhum idoso. Entrar num espaço novo onde já habitam outros utentes emerge a necessidade de inclusão no meio, de ser aceite pelo outro e de ter algum papel relevante dentro do grupo. Envolve um controlo emocional elevado.
Como tal, existem idosos que desempenham um papel fundamental na integração do novo utente. Esses ‘apadrinham’ o recém-chegado e acabam por desenvolver relações de amizade. Quando se trata da morte de um destes elementos, a dor do idoso que está de luto é ainda mais afincada. Assim sendo, é necessário ter em conta esta nuance na gestão do luto, sob pena de o idoso desenvolver doenças mentais de cariz depressivo.