[Covid-19] O impacto do isolamento na saúde mental dos idosos
Por Joana Marques , 06 de Abril de 2020 Notícias
Os idosos são um grupo de risco e o isolamento imposto durante um longo período de tempo sem fim à vista tem como objetivo protegê-los da doença Covid-19 e assegurar a sustentabilidade das unidades de saúde, mas também a dos lares, infraestruturas indispensáveis neste contexto de crise.
O distanciamento físico é essencial para prevenir a propagação do vírus, mas pode ter um impacto negativo para a saúde mental e o bem-estar dos idosos, acentuando sentimentos de solidão, ansiedade, depressão e problemas cognitivos.
De repente, o mundo ficou de pernas para o ar. A Covid-19 é uma ameaça global e ninguém estava psicologicamente preparado para as restrições e novas configurações sociais que foram decretadas para abrandar a disseminação deste novo vírus, ao qual ninguém está imune.
As alterações foram abruptas, e os mais velhos são os que estão a ter maiores dificuldades em se adaptar às novas rotinas de distanciamento e isolamento.
Angustiados e preocupados por fazer parte da população que mais riscos corre se contrair a doença Covid-19, os idosos enfrentam um risco acrescido: o desenvolvimento de altos níveis de ansiedade, que podem seriamente prejudicar a sua saúde física e mental.
Leia este artigo para saber os diferentes tipos de emoções que podem surgir entre os mais velhos, quais os seus efeitos e de que forma pode ajudar a manter a motivação durante o tempo de isolamento (em lares e domicílios) e atenuar os sentimentos de perda e abandono decorrentes do afastamento do contato físico com filhos, netos e amigos.
Novo paradigma: do envelhecimento ativo ao isolamento
Momentaneamente, tudo mudou, e o que dantes era aconselhado em prol da saúde mental e bem-estar dos idosos - o envolvimento social - é hoje um fator de risco.
Desde que foi decretado o Estado de Emergência, os idosos sentem-se mais isolados, ansiosos e com medo, emoções que são mais difíceis de gerir se já estiver presente demência ou depressão.
O isolamento protege os idosos do surto de Covid-19, mas pode deixá-los vulneráveis a problemas de saúde mental. Há uma ansiedade acrescida que decorre da quebra abrupta de rotinas que conferiam alguma segurança e sentido de pertença.
O impacto na saúde mental do idoso pode ser ter consequências físicas e psicológicas severas e agravar o que antes já era sentido e que na situação atual pode ser amplificado: solidão, dificuldades em se projetar no futuro e insegurança a todos os níveis, especialmente financeiro (o que é alimentado pelo discurso de crise económica iminente).
Idosos à beira de um ataque de nervos
Quando começaram a surgir os primeiros casos de Covid-19 em Portugal, no início do mês de Março, a proibição das visitas de familiares e amigos a idosos institucionalizados começou por ser uma recomendação. No dia 16 de Março, na sequência de um conjunto de medidas extraordinárias adotadas pelo Governo com o objectivo de conter a propagação do vírus, as visitas ficaram suspensas, bem como foram proibidas todas as atividades de apoio social e de tempos livres e as idas os centros de dia. Só se mantiveram as admissões de novos utentes em lares, que continuam de portas abertas a novos utentes.
O sistema nervoso dos idosos institucionalizados ressentiu-se com implementação de restrições e com alterações nas rotinas, devido à implementação dos planos de contingência e medidas extraordinárias de higienização e isolamento.
Em Portugal, existem 2,3 milhões de portugueses com mais de 65 anos. Quando se junta Covid-19 e «grupo de risco» na mesma frase, a palavra «idoso» é incontornável. Existe uma ideia generalizada de que um idoso infetado com a doença recebeu uma sentença de morte antecipada, mas é preciso relativizar esta convicção e apostar num discurso preventivo, mas optimista. As autoridades de saúde pública estão a encarar com seriedade o aumento de problemas de ansiedade e de sintomas depressivos.
A Ordem dos Psicólogos disponibilizou um documento que explica como lidar com uma situação de isolamento se for um cidadão sénior.
Sentir ansiedade e medo durante este período de pandemia é normal e não existem reacções certas ou erradas. Cada idoso tem a sua própria história de vida e mecanismos de adaptação a situações difíceis, mas é necessário ter em consideração que esta é uma faixa etária vulnerável ao desenvolvimento de demências, o que exige um cuidado extra na identificação de comportamentos exacerbados e atípicos.
Emoções mais comuns em tempo de crise
Medo e ansiedade
Em relação à própria saúde e à saúde dos filhos e netos, mas também de cuidadores de quem o idoso se sente próximo ou amigos nas mesmas circunstâncias.
Preocupação e angústia
Pela imposição do afastamento físico de familiares e amigos e pela impossibilidade de continuar a realizar rotinas habituais, como sair do lar e ir dar um passeio, continuar com as atividades socioculturais e de exercício físico.
Incerteza
Por não haver informação concreta sobre o fim do período de isolamento e regresso à normalidade.
Solidão
Decorrente da dispensa por razões de segurança de alguns funcionários com os quais mantinham relações de proximidade e devido ao distanciamento físico da família e amigos.
Zanga
Por sentir que tudo mudou de repente, que pode também originar alguma falta de paciência e de compreensão quanto ao cumprimento de novas regras.
Frustração e aborrecimento
Devido ao impedimento de realizar as rotinas e atividades habituais.
Tristeza e falta de esperança
Porque esta é uma situação nunca antes vivida e para a qual os idosos não têm termos de comparação.
É essencial estar atento aos sinais
Durante este período de isolamento imposto nos lares, é mais difícil para a família aperceber-se de pequenas alterações no humor ou estado de espírito dos idosos. Os profissionais de saúde insistem, e bem, que a família e amigos devem manter contato regular, sendo até benéfico definir, se possível, as horas e os dias em que esses contatos telefónicos se realizam, porque para o idoso, saber quando vai falar com os filhos, netos ou amigos é um elemento tranquilizador.
Sempre que possível, opte por fazer videochamadas, porque há muita informação que pode obter sobre o estado psicológico do idosos através da interpretação da linguagem não verbal.
Os idosos não gostam de sentir que são um fator extra de preocupação para a família, por isso pode haver uma certa tendência para esconder sentimentos como tristeza, frustração ou solidão.
É por esta razão que deve falar com regularidade com os profissionais do lar, pois são estes que têm a real percepção do estado da saúde mental do seu familiar institucionalizado.
Todos devem estar atentos a alterações de comportamento, como desorientação, apatia, irritabilidade e problemas de memória.
A ansiedade também pode levar ao desenvolvimento de manifestações psicossomáticas, como taquicardia, picos de tensão, insónias, problemas de digestão (gastrites e colites), alergias e até dores de cabeça.
Ajudar a lidar com a situação
Este é um vírus que atua com rapidez e contagia em silêncio, pelo que é muito provável que os níveis de ansiedade aumentem em flecha, diante de um acontecimento tão ameaçador, invisível e imprevisível.
É, portanto, da responsabilidade dos profissionais dos lares e da família agir no sentido de acalmar os idosos, reforçando que o isolamento é para a sua própria segurança e a segurança de todos, e não os expondo a um excesso de informação ou a informação sensacionalista e falsa.
Sugere-se que se invista em atividades simples que os ajudem a ocupar o tempo e em momentos de aproximação virtual entre idosos e familiares.
Aconselham-se também algumas atitudes que ajudem a manter a motivação durante o tempo de isolamento, como:
reforçar o contato com familiares e amigos via telefone e meios digitais, especialmente antes de eles se irem deitar, caso sofram de insónias e dificuldades em dormir;
ajudar o idoso a consumir informação oficial e fidedigna, pois quanto melhor ele conhecer a doença menor é a ameaça que esta representa;
ter especial atenção aos idosos que sofrem de demência, porque nem sempre se vão lembrar que as quebras na rotina se devem à necessidade de conter o vírus fora dos lares;
enviar pacotes por correio com pequenas lembranças: uma fotografia da família, cartas manuscritas de netos e sobrinhos, ou mesmo aquelas bolachinhas especiais, que trazem conforto ao estômago e a alma; lembre-se de que deve utilizar duas embalagens, uma que contenha os itens enviados e que deve ser desinfetada (bem como todos os objetos que lá colocar) e outra que deve poder ser descartada imediatamente após a entrega.
E os idosos que estão sozinhos em isolamento domiciliar?
Dispensados os serviços de apoio domiciliar e de cuidadores formais por razões de segurança, é sobre a família e amigos que recai a obrigação de proteger os idosos que não estão institucionalizados e isolados na própria casa.
Todas as recomendações que sugerimos para os idosos que estão isolados em lares são válidas para os que estão sozinhos em casa, especialmente no que se refere à frequência de telefonemas e ao incentivo de atividades que os mantenham distraídos e que lhes dêem prazer (ver filmes, ler livros, navegar pela internet e quem sabe até fazer um curso online ou cozinhar).
Os seus pais e avós vão precisar de uma ajuda extra com a logística do dia-a-dia. Designe à vez um elemento da família que vá às compras, que leve o cão a passear, que leve a roupa suja e a devolva lavada ou que traga jornais e revistas.
Os idosos que ainda vivem na suas casas têm tendência para se sentirem mais independentes e auto-suficientes. Já ouvimos falar de casos de idosos que se recusam a ficar em casa e que querem manter as suas rotinas. Porque gostamos deles e só os queremos proteger, pode haver a tentação de repreendê-los como se fossem crianças desobedientes e dizer-lhes que estão a ser irresponsáveis e egoístas.
No entanto, é importante que a família se lembre de que uma das formas com os idosos lidam com o stress é sentir que continuam a controlar todos os aspetos das suas vidas. Cumprir rotinas dá uma sensação de segurança e normalidade, pelo que o ideal é conversar com eles, explicar-lhes que é tudo para o seu próprio bem e o bem da comunidade (e que dessa forma estão a ser muito úteis e prestáveis).
Sugira alternativas: em vez de sair de casa e dar um passeio na rua, o idoso pode aproveitar na sua varanda ou jardim próprio para ativar a Vitamina D e fazer pequenas caminhadas regulares dentro de casa.
Seja qual for a situação em que os seus pais ou avós se encontrem - num lar de idosos ou sozinhos em casa - o importante é não perder de vista que o combate à Covid-19 alterou radicalmente as dimensões mais básicas e fundamentais da socialização. Mesmo que o idoso goze de boa saúde mental, não seria natural que não sentisse ansiedade e apreensão durante este período. Vão-se sentir emocionalmente abalados somente pelo facto de não poderem dar abraços, beijos ou apertos de mão e estar fisicamente próximos daqueles que amam e que lhes dão uma razão para viver com bem-estar e qualidade.
Contactos úteis
Linha Saúde 24
Caso tenha sintomas, pode ligar para o 808 24 24 24.
Linha de Apoio da Sociedade Portuguesa de Psicanálise
Se necessitar, pode optar por falar com psicólogos, psiquiatras ou pedopsiquiatras. O apoio pode ser facultado a famílias, adultos, idosos, crianças. A linha telefónica de apoio, completamente anónima, está disponível entre as 8h00 e as 24h00, durante os dias de semana.
300 051 920
Linha de Apoio Psicológico Associação Abraço
A Associação Abraço criou uma linha de apoio psicológico SOS, direcionada à população infetada com VIH/SIDA e que visa dar resposta às suas ansiedades, no âmbito da pandemia de COVID-19.
Lisboa - 211 936 510
Porto - 223 227 515 | 917 778 781
Linha «Conversa Amiga»
A linha «Conversa Amiga» presta apoio e acompanhamento emocional a todos os cidadãos, principalmente nesta altura de stress coletivo.
808 237 327
210 027 159