[Covid-19] Até onde conseguem os idosos estar sós?
Por Joana Marques , 11 de Agosto de 2020 Envelhecimento
Ainda não se passaram seis meses, mas parece já ter sido há uma eternidade que surgiram os primeiros casos da Covid-19 em Portugal. Este desfasamento no tempo é, em parte, consequência do distanciamento social, uma medida necessária para evitar a propagação da doença, mas dramática no que se refere ao impacto psicológico. Indubitavelmente esta situação tem vindo a agravar o sentimento de solidão nos idosos.
O distanciamento tem sido muito duro para os idosos, cujas rotinas de socialização foram alteradas de forma abrupta e sem aviso prévio.
Independentemente do contexto onde estão inseridos, o dia-a-dia dos mais idosos ainda não voltou ao que era na época pré-pandemia, e cada vez parece mais longe o dia em que vai voltar tudo ao «normal». Nesta fase que antecede os meses de Outono e Inverno, é muito importante saber como é que o seu familiar idoso está a lidar com esta nova realidade. Leia este artigo e saiba como pode minimizar a ansiedade e apreensão que se instalaram nestes tempos de incerteza.
Distanciamento e isolamento: dois caminhos para a solidão nos idosos
A Direcção-Geral de Saúde faz uma clara distinção entre distanciamento social e isolamento social, duas das principais medidas preventivas contra a Covid-19: o primeiro visa reduzir a transmissão do vírus através da limitação de interações sociais entre pessoas; o segundo aplica-se se o indivíduo esteve em contato com alguém infetado ou se ele próprio estiver doente.
As estratégias de combate contra este inimigo invisível podem causar danos colaterais difíceis de avaliar: os psicológicos.
Estas medidas são necessárias para o bem-estar de todos, mas particularmente dos mais idosos, cujo risco de morte se calcula ser 200 vezes superior a partir dos 80 anos.
Em lares de idosos, centros de dia e casa particulares, a Covid-19 forçou uma nova realidade que se está a transformar num «novo normal», mas nem tudo o que é novo é bom ou faz bem.
A vida social já não é o que era
Os riscos da Covid-19 para a saúde dos idosos forçaram o corte de laços sociais com familiares e amigos, mas também com outras atividades, como as idas ao café ou aos centros de dia. Tudo o que dava alguma dinâmica ao quotidiano dos idosos e lhes ocupava o tempo e o pensamento parece desnecessário e banal perante a obrigação que eles têm de se proteger.
Hoje em dia, ser idoso é fazer apenas o que é necessário. Todas as atividades têm de ter uma boa justificação.
Se quiserem fazer o que era normal e quotidiano, os mais velhos correm o risco de serem rotulados de inscientes e egoístas. Os contatos remotos passaram a ter primazia sobre os contatos reais e a maior parte dos idosos não estava preparada para uma transição tão abrupta, ou é incapaz de encontrar satisfação plena na comunicação através das novas tecnologias.
É cada vez mais frequente vermos os idosos à janela em busca de um entretém e de contato humano, como fossem espetadores das suas próprias vidas.
O distanciamento físico e social é crucial para manter os idosos longe da Covid-19, mas trouxe isolamento social e solidão, cujos efeitos também podem ser devastadores para a saúde.
Os Centros de Dia fazem (muita) falta
Especialmente em meios rurais e mais pequenos, o encerramento dos Centros de Dia significou um isolamento social forçado. A solidão daí decorrente leva a que o idoso fique num grande estado de fragilidade.
Muitos idosos não têm família ou vivem longe dos familiares, e estão há meses sozinhos em casa desde que estes apoios foram fechados.
Finalmente existe uma indicação de data para a reabertura dos Centros de Dia, que para muitos idosos representam uma ocasião diária e constante de convívio e de envolvimento em atividades que têm como objetivo proporcionar uma vida mais ativa, criativa e participada. Mas o fecho destas respostas sociais continua a ter consequências, que a longo prazo podem agravar o estado de saúde e aumentando o sentimento de solidão nos idosos, tanto ou mais do que a Covid-19.
Muitos idosos continuam a perder a mobilidade, mais deprimidos e há risco de agravamento de estados demenciais e de dependência.
Entretanto, houve necessidade de reforçar o apoio domiciliário e são muitas as instituições de norte a sul do país que alargaram os seus serviços à alimentação, higiene e medicação. Esta resposta por parte das IPSS e Misericórdias só resolve o problema imediato da alimentação e cuidados básicos. Se os idosos já estavam emocional e psicologicamente fragilizados nos tempos pré-pandemia, mais frágeis ficam agora que estão privados dos estímulos sociais, emocionais e mentais.
Os idosos ficaram privados da socialização, mas também de programas de reabilitação física e motora e de atividades de desenvolvimento.
Além de ser uma população frágil e de risco, os idosos que frequentavam os Centros de Dia antes da pandemia estavam constantemente em trânsito e em contato com diversos tipos de pessoas. Quem defende que é mais seguro manter estes equipamentos encerrados invoca o facto de muitos centros estarem ligados a outras valências, mas os idosos precisam rapidamente de retomar as suas rotinas e atividades, sob pena de verem a sua saúde física e mental gravemente prejudicada.
Ajude o seu familiar idoso a ultrapassar esta crise
O seu familiar idoso vai sempre precisar de ajuda extra durante a pandemia e existem diversas formas de o auxiliar em questões práticas do dia-a-dia. No entanto, é provável que o idoso precise também de ajuda emocional e psicológica.
É importante que converse regularmente com o seu familiar idoso (por telefone, videochamada ou à porta de casa) para que os sinais não lhe passem despercebidos.
Esteja atento a pequenas alterações, como a falta de apetite, maiores dificuldades para dormir ou declínio da memória e capacidade cognitiva (que também podem ser sinais de infeção por Covid-19).
Durante esta pandemia, é provável que o idoso experimente alguns destes sentimentos:
- Medo exacerbado perante a ideia de que o número de contágios por Covid-19 nunca diminuir e afetar as pessoas de quem mais gosta;
- Ansiedade perante um futuro desconhecido com consequências financeiras que podem afetar a sua qualidade de vida e daqueles que lhe são mais próximos;
- Ansiedade provocada pela incerteza ou incapacidade de adquirir bens necessários;
- Falta de esperança no futuro e incapacidade de lidar com a tristeza decorrente do isolamento e afastamento de todas as atividades quotidianas.
Formas de apoiar o idoso em tempos de isolamento
Mesmo a uma distância de segurança, seja presencialmente ou por telefone, esteja sempre disponível para falar e interessado no que o idoso tem para lhe dizer. Incentive-o a partilhar os seus medos e ansiedades e desvalorize, com tato e paciência, exageros e pensamentos negativos.
Além disso, é também importante que o idoso sinta que as pessoas à sua volta se preocupam, independentemente da distância física ou geográfica:
- Pedir aos familiares e pessoas próximas que telefonem ou escrevam com frequência. Se for possível algum contato físico, peça-lhes que façam alguma companhia e que ajudem no que for preciso (compras de supermercado, cozinhar, transporte para consultas);
- Disponibilize todos os meios de comunicação para facilitar o contato social, em especial a videochamada;
- Insista nas manifestações verbais de afeto, pois o idoso adora ouvir que é amado;
- Sugira atividades que o mantenham ocupado: ofereça-lhe um livro ou aconselhe um filme que vai dar na televisão;
- Lembre-o com frequência que deve fazer algum exercício, como caminhar pela casa ou fazer alongamentos simples;
- Sempre que possível, atribua-lhe alguma tarefa ou responsabilidade que o faça sentir-se valorizado;
- Relembre-o de que a esforço que ele está a fazer para permanecer em casa é para o seu próprio bem e para o bem da comunidade, pois se o idoso sentir-se-á mais útil se perceber que é um agente ativo de saúde pública.