Privacidade nos lares de idosos: mito ou realidade?
Por Catarina Bouca , 09 de Setembro de 2019 Lares e Residências
A privacidade é um dos muitos direitos que assistem aos residentes dos lares de idosos. Esta deve ser respeitada pelas equipas técnicas, pelos residentes, pelas famílias, pelos voluntários e por outras pessoas que frequentem a comunidade residencial. Precisamos de ter em conta que se trata de um direito constitucional que não deve desaparecer à medida que a idade avança ou no caso de as pessoas serem institucionalizadas.
A privacidade depende do tipo de estrutura residencial para idosos
O chamado cohousing, ainda a dar os primeiros passos em Portugal, é o modelo residencial para seniores que oferece uma maior privacidade. Há várias formas de cohousing, desde pequenas aldeias onde cada família/pessoa tem a sua própria casa/apartamento e apenas partilha com as restantes famílias/pessoas os espaços de convívio comunitário até pequenos bairros transformados em locais privilegiados e com o apoio adequado para as pessoas as mais velhas.
O cohousing é o modelo residencial sénior que mais reflete a nossa vivência em comunidade, onde a separação entre público e privado está bem delineada. Precisamos, no entanto, de chamar a atenção para o facto de este tipo de modelo não servir para toda a gente. Para integrar uma estrutura deste tipo, o idoso não pode estar acamado nem ter uma considerável dependência física dos demais para realizar as tarefas do dia a dia.
Já nas residências assistidas o grau de privacidade dos idosos é um pouco menor do que no cohousing, mas ainda assim superior àquele que verificamos em alguns lares de idosos. As residências assistidas proporcionam suites e quartos individuais para os idosos, onde estes podem ter os seus pertences, sejam eles mobílias, amuletos, fotografias ou outros objetos de cariz pessoal, o que permite um importante grau de privacidade.
As principais queixas dos idosos no que respeita à sua privacidade
Espaços partilhados
Uma das grandes queixas dos idosos em relação à falta de privacidade nos lares prende-se com o facto de terem de partilhar o quarto e a casa de banho com outras pessoas, sendo que esse desconforto leva a que muitos deles expressem um forte desejo de regressar a casa.
Exposição da higiene íntima
Outra queixa frequente por parte dos idosos tem a ver com a higiene íntima. O residente sente-se exposto em relação à sua dependência para a higiene pessoal ao ser tocado e descoberto na sua esfera íntima por uma pessoa desconhecida, muitas vezes do sexo oposto.
Falta de confidencialidade
Outras queixas a nível da privacidade dizem respeito à confidencialidade. Neste sentido, é importante que as questões e problemas pessoais dos idosos não sejam discutidos pelos funcionários em lugares inadequados do lar. Por exemplo, uma determinada residente tem um filho com uma patologia mental.
Os funcionários do lar não devem de forma alguma falar sobre esse tema com o idoso à frente dos outros residentes ou, ainda mais greve, comentar sobre esse caso com os outros residentes quando o idoso em questão não está presente. A situação clínica dos utentes também não deve ser discutida na sala de estar à frente de toda a gente. Esta deve ficar restrita à equipa técnica e à família do idoso, quando tal se verificar necessário.
Alguns casais dormem em quartos separados nos lares
Em alguns lares de idosos os casais são encaminhados para quartos diferentes. Isto acontece muitas vezes por razões logísticas, financeiras e de outra ordem. Tal ato não só constitui uma violação da privacidade do casal como pode provocar nos residentes sentimentos muito negativos como o de separação.
O direito à intimidade física do casal, à semelhança do direito à privacidade, não deve diminuir à medida que a idade avança. A importância do sexo na terceira-idade está provada, muito embora ainda exista a ideia socialmente construída de que a vida sexual se destina apenas às pessoas bonitas e novas.
É necessário educar
Ana Carvalheira, sexóloga, professora e investigadora do ISPA – Instituto Universitário, chama a atenção para esta realidade e diz ser necessário «educar os profissionais para aceitarem e compreenderem a necessidade de sexualidade no envelhecimento».
«Refiro-me aos médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, auxiliares… É preciso passar a mensagem de que a sexualidade apenas acaba com a morte ou com a doença. E, mesmo na doença, podemos tentar preservar a vida sexual do doente. Por exemplo, podemos substituir um antidepressivo por outro que seja menos inimigo da sexualidade», afirma a especialista.
Cada um é livre de decidir por si
«É ainda necessário ter em mente que cada pessoa é livre de viver ou não a sua sexualidade, e isto independentemente da sua idade. Não consigo entender como alguns lares não permitem que os seus residentes tenham relações amorosas e sexuais. Sabemos que a atividade sexual é um fator de bem-estar e que promove a saúde.
Muitas vezes, são as próprias famílias que não querem permitir que os seus idosos tenham vida sexual.
Acham que podem opinar sobre tudo o que diz respeito a eles, como se já não fossem pessoas capazes», refere a psicóloga.
Respeito pela privacidade e dignidade dos idosos
O Manual de Boas Práticas – um guia para o acolhimento residencial das pessoas mais velhas, do Instituto da Segurança Social, é bastante esclarecedor no que respeita ao conjunto de liberdades e direitos que sustentam o tratamento digno do idoso.
Em relação à privacidade, o manual refere que «merece especial atenção a sua garantia em todas as intervenções que respeitem à higiene íntima, às relações com os outros, à correspondência, às chamadas telefónicas e a todos os problemas e questões pessoais e familiares.»
Em relação ao direito do idosos a uma vida afetiva, sexual e social, o mesmo manual afirma que «nenhuma destas manifestações, de manifesta relevância para a qualidade de vida de todas as pessoas, pode ser desrespeitada. A estrutura residencial deve criar condições para que o residente possa vivê-las de forma natural e saudável».
Cabe então aos lares de idosos e às instituições que os supervisionam e que com eles trabalham diretamente assegurar a privacidade dos seus residentes bem como o seu direito a uma intimidade sexual e afetiva. Novas abordagens a estes temas tornam-se necessárias de forma a romper com as rotinas e regras impostas que tantas vezes estão na origem da violação destes direitos. Só assim os idosos deixarão de ter tanto receio de integrar as estruturas residenciais e , quando as integram, de ter tanta vontade de regressar a casa.